O Universo NÃO se expande mais rápido que a luz. Entenda porque essa discussão não tem nem sentido.

Eaewww, cá estamos de volta, depois de quase 1 ano sem postar nada. Eu resolvi postar umas threads no twitter do simetria para discutir as principais coisas que venho lendo de errado nos grupos que participo, uma delas é esse tema do post "O universo se expande mais rápido que a luz!?"

Esse post não é pra dizer sim ou não, mas para fazer uma análise de como essa comparação é sem noção. Entretanto, o problema central aqui é que você consegue achar toneladas de textos na internet falando "o universo se expande mais rápido que a luz", então vamos discutir.


Imagem ilustrativa furtada do google imagens.


Dicionário inicial:

- c : representa a velocidade da luz, vem da palavra latina celeritas.
- Transformações de Galileu/Lorentz: Transformações de referenciais são transformações que nos dizem como medir o espaço, o tempo e velocidades de um referencial para outro.
- Éter: aqui usamos a definição de éter liminífero, que seria um fluído super rígido que permeia todo o universo e está em repouso em relação a tudo e a luz se propaga nele com velocidade c. Seria um referencial privilegiado.


(Atenção: cometerei uma violência contra a história da física no parágrafo abaixo, por favor, leia as notas de rodapé 1 e 2, no final do texto. Se você já está familiarizado com a velocidade da luz, pule direto para o parágrafo na cor azul).
 
Para a gente entender direito o quão nonsense é essa comparação, precisamos entender como a velocidade da luz funciona. Como não é nossa intenção tratar nada historicamente aqui, não vou me comprometer com uma linha do tempo¹. Voltando pro século XIX, descobriu-se que,  pelos trabalhos de Fizeau, Foucault, Weber, Kirchoff, Maxwell, uma onda eletromagnética se movia no éter com velocidade de c ~ 300000 km/s. Por onda eletromagnética quero dizer luz visível, raio x, raio gama, ondas de rádio e etc. 


Como físico gosta e precisa medir as coisas, diversos experimentos foram criados para medir o movimento da Terra através do éter. O mais famoso deles foi o experimento de Michel e Morley, que partia do seguinte pensamento: se a velocidade da luz é "c" no éter e a Terra está se movendo por ele, então deveremos encontrar uma diferença na medição da velocidade da luz a medida que o planeta se move pelo éter. PORÉM o experimento encontrou nenhuma diferença². Isso poderia significar duas coisas, ou o resultado corroborava para o éter não existir ou tem algo que não levamos em consideração. Pois se o éter existe, o que o experimento está dizendo é que a velocidade da luz no éter é exatamente a mesma da velocidade da luz na Terra, mas se a Terra está se movendo em relação ao éter, como isso poderia ser possível?

Para você não ficar pedido, vamos ter que colocar um parêntesis aqui. Primeiro de tudo pense na Terra como sendo um carro que se move por uma estrada, essa estrada é o éter. A luz seria como uma moto de corrida extremamente rápida que se move pela mesma estrada. Se estamos no "carro" se movendo a 100 km/h e moto de corrida está 250 km/h vindo em nossa direção, nós que estamos dentro do carro mediríamos a velocidade da moto como sendo 350 km/h, em relação a nós. Caso a moto esteja indo no mesmo sentido que nós, mediríamos a sua velocidade em relação ao nosso carro como sendo de 150 km/h. Essas velocidades relativas que calculamos são parte das chamadas "transformações de Galileu" as quais são a base da mecânica newtoniana, por esse motivo era natural esperar que seriam sempre válidas. 
 

Nossa pergunta nesse ponto é: Como a velocidade da luz pode ser a mesma no éter e na Terra se as transformações de Galileu são sempre válidas?

várias respostas foram pensadas, mas a que nos interessa foi dada pelo físico Hendrick Lorentz. A solução era assumir que as transformações de Galileu estavam "erradas" e, com isso, propôs que deveria haver uma mudança na medida do tempo e do espaço a medida que nos movêssemos pelo éter. Essas transformações propostas por Lorentz deveriam substituir as de Galileu³ para velocidades muito altas, e com isso seria possível explicar porque a luz possui a mesma velocidade no éter e na Terra, ou em qualquer outro lugar. 

De fato as transformações no tempo e espaço funcionaram muito bem, tanto que Henri Poincaré mostrou elas satisfaziam o requerimento de que as leis da física deveriam ser as mesmas em qualquer lugar do Universo. Porém Einstein foi sorrateiro, e disse: "Que éter o que, meu irmão!? A gente não precisa do éter porque essas transformações garantem que a velocidade da luz seja a mesma em qualquer referencial inercial (referencial sem aceleração), então vamos assumir que a velocidade da luz é "c" no vácuo e esquecer essa patifaria de éter". Einstein teve essa sacada porque as transformações de Lorentz mostravam que a velocidade da luz poderia, de boa, ser constante e igual em todos os referenciais inerciais, não precisando existir um éter.   
 

Vou dar um exemplo ilustrativo. Por Galileu se você conseguisse montar em um raio de luz e ficasse lado a lado com outro raio de luz, você o veria paradinho, ou seja, com velocidade nula em relação a você, da mesma forma que dois carros se movendo lado a lado a 100km/h se veriam parados um relação ao outro. Para Lorentz isso não é verdade, se você fosse um cowboy de raio de luz, veria o outro raio de luz se afastar com velocidade "c" de você, parece doidera, mas é isso mesmo. Pra piorar a situação, imagine que agora você está de boa montado em no seu raio de luz quando, de repente, um outro raio de luz está vindo na sua direção, para Galileu você mediria a velocidade desse outro raio como 2c, mas para Lorentz seria apenas c. Então pra Lorentz não importa com qual velocidade você se move, a luz não tem velocidade relativa, é c e pronto!  

TUDO ISSO foi pra dizer que a luz possui sempre a mesma velocidade no vácuo, não importa como você faça a medida. Mas agora vem o ponto do porquê de tanto bláblábá: Se fizermos a medida da velocidade da luz aqui pertinho da Terra ou beeemmm longe de nós, iremos medir a mesma velocidade da luz sempre. Isso decorre do fato dela ser uma constante universal, assim todo mundo concorda com seu valor medido, seja uma pessoa aqui na Terra, seja um Alien bem longe de nós.  

Agora que entendemos como a velocidade da luz funciona, temos que entender como medimos a expansão do Universo. Aqui no blog tem diversos textos discutindo Big Bang, espaço-tempo, inflação cósmica, expansão cósmica e etc, então não vou ficar me autoplagiando e vou resumir bastante a situação aqui.

Em cosmologia (astrofísica e astronomia) podemos medir distâncias entre objetos de várias formas, mas vou citar apenas duas:

- A distância comóvel, que é aquela que desconsidera a expansão do universo, então duas galáxias podem ficar sempre paradinhas uma relação a outra.

- A distância própria, que é aquela que leva em consideração a expansão do universo e medimos a partir do fator de escala. Fator de escala, já muito discutido aqui no blog, é simplesmente a distância entre todas as coisas no universo, essa distância aumenta com o tempo e é dada pela função $a(t)$ (em algumas literaturas é $R(t)$).

A abordagem comóvel é boa para estudar a radiação cósmica de fundo por exemplo, pois ela preserva medidas angulares, as quais usamos para estudar essa bagaça. Já para entendermos a expansão do universo, claramente precisamos usar a distância própria. 

Quando o Hubble fez suas medições do afastamento das galáxias, ele notou que quanto mais distante uma galáxia estava, mais rapidamente ela parecia se afastar de nós. Entender isso é fundamental para entender o problema (veja o gif abaixo). A expansão do universo é homogênea, o que significa que não importa onde você esteja, ela precisa ser igual em todas as direções. Tal exigência faz com que "tudo esteja se afastando de todo o resto na mesma taxa de afastamento", o que acaba criando distorções de "perspectiva" (o termo correto não é esse, mas talvez aqui esse se encaixe melhor). Pois veja bem, eu estou na Terra e observo que quanto mais distante de mim, mais rápido as galáxias se afastam, então, como a expansão é homogênea, um Alien que vive em uma dessas galáxias distantes, deveria ver as galáxias próximas a ele se afastarem mais lentamente, enquanto veria a nossa se afastar bem mais rápido. Assim, nem nós e nem o Alien está de fato se afastando bem mais rapidamente, é apenas a escolha de referencial cria essa "ilusão" de afastamento mais rápido. 
 


A taxa de expansão do universo é medida pela constante de Hubble, a qual diz que o universo se expande a uma taxa de 73 km/s a cada 1 megaparsec (1 megaparsec = 3,26 milhões de anos luz). Isso é meio chato de entender, pois como já falamos, segundo o parâmetro de Hubble, quanto mais longe você medir a velocidade de uma galáxia, mais rápido ela vai parecer se afastar de você. Por exemplo, se você estuda uma galáxia A que está cerca de 1 Mpc de distância de você, ela se afasta cerca de 73 km/s (estou desconsiderando efeitos locais de gravidade), mas se você estuda uma galáxia B, que está por volta 10 Mpc de distância, sua velocidade será por volta de 730 km/s. PORÉM, um alienígena que viva a 1 Mpc de distância da galáxia B, veria ela se afastar com 73 km/s, e não 730km/s como nós vemos. Isso acontece por que a expansão é homogênea, todo mundo tem que medir essa expansão da mesma forma. Quanto mais longe a gente observa, maior a velocidade de afastamento das galáxias, podendo chegar até velocidades bem maiores que a da luz, mas essa velocidade não é real, não tem nada lá violando a teoria da relatividade e se expandindo com velocidade tão alta assim, é apenas uma "miragem" causada pela forma homogênea como o universo se expande.

Em resumo, quando nós vamos medir a velocidade da luz, sua velocidade é indiferente do referencial inercial que você escolhe, ela sempre será a mesma, não importando se você medirá a velocidade aqui perto da Terra ou lá no quintos do inferno do universo. Já a velocidade de expansão do universo depende diretamente do referencial que você escolhe (da distância que sua medida está do seu referencial). Se eu vou medir a velocidade de expansão aqui pertinho, é 73 km/s, se vou medir lá na pqp, pode ser até 4 vezes a velocidade da luz.

Isso tudo mostra pra gente que não faz sentido algum comparar uma constante universal, que é a velocidade da luz, com um velocidade de expansão que muda a medida que você escolhe fazer medições próximas ou distantes de você. Assim, toda vez que você se deparar com essa discussão, lembre-se: ela não faz sentido!

Isso, vlw flw.

 

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1 - Eu cometi propositalmente um pequeno atentado histórico, mas como não gosto de deixar nenhum texto sem referencias bem concisas, então aqui tem um artigo em português que discute de forma bem legal, física e historicamente, toda a problemática do eletromagnetismo: Sobre o surgimento das equações de Maxwell. Aqui tem outro artigo importante também: Maxwell, a teoria do campo e a desmecanização da física.

2 - Eu não quis propositalmente falar que o Éter caiu com o experimento de Michelson e Morley, pois isso não é verdade, mas a discussão histórica dá muito pano pra manga. Dê uma olhada aqui: NÃO é verdade que os experimentos de Michelson-Morley derrubaram a “teoria do éter luminífero”!. Veja também este artigo: Três episódios de descobertas científicas.

3 - O que estou dizendo aqui é algo bastante forte, pois ao corrigir as transformações de Galileu, a mecânica de Newton se transforma em um caso particular, para baixas velocidades, de uma teoria mecânica mais abrangente, que no caso é a Teoria da Relatividade.  
segunda-feira, 20 de julho de 2020
Posted by Thiago V. M. Guimarães

(Quase) Tudo que você precisa saber sobre Energia Escura: um review for dummies.

Imagem qualquer para chamar sua atenção e fazer você clicar no texto. Fonte: https://www.aei.mpg.de/gravitation-and-cosmology




6 lindos meses após o último post, finalmente consegui encontrar um tempo para escrever algo por aqui. Eu queria abordar uma série sobre cosmologia quântica, mas não vou prometer porque não vou cumprir, talvez nas minhas férias eu sinta vontade de escrever um pouco mais, mas por enquanto tá foda!

Pois bem, o tempo passa, o tempo voa, a poupança Bamerindus faliu⁰, mas Matéria e Energia Escura continuam numa boa... por esse motivo resolvi fazer um "manual de sobrevivência da Energia Escura" e possivelmente depois faça da Matéria Escura. Sem mais enrolação, vamos começar!

Mike Tyson - Renomado cosmólogo, apresentador da nova série cosmos.
Quadro de avisos:
1 - Termos não definidos estão hiperlinkados a textos explicativos.
2 - Dessa vez não coloquei, no final do texto, o nome dos artigos usados, mas sim o Link direto para os artigos, fica mais fácil para vocês e pra mim.
3 - Caso você não consiga visualizar as equações abaixo, instale um plugin de LaTeX ao seu navegador. A conversão do texto para imagem da equação deve acontecer automaticamente.



First things first!


Para que você não fique completamente perdido em muitas terminologias, é prudente começar com um rápido dicionário.

- Expansão do Universo: Ela acontece em todos o momentos da vida do Universo e possui diferentes velocidades, sendo guiada pelo conteúdo material do Universo (radiação, Matéria Escura, Energia Escura).
- (Grande) Inflação Cósmica: É um período logo após o Big Bang no qual o Universo se expandiu mais de 1 octilhão de vezes em um infinitésimo de segundo.  
- Inflaton: partícula responsável por fazer essa inflação acontecer.
- Expansão acelerada (atual/recente): É a expansão cósmica que vemos hoje, embora ela seja acelerada, ainda é muito, mas muito menor que a inflação cósmica.
- Ajuste fino/parâmetros soltos: Teorias que possuem constantes cujo valor precisa ser escolhido de forma a descrever o Universo que vivemos, ou seja, de forma arbitrária.

O que é energia escura?


Não sei! Sérião mesmo.... mas a intenção nossa aqui é descrever o que é energia escura e não falar o que ela é.

Quando eu fazia doutorado eu me vi diante de uma situação peculiar porém normal. Todo dia o lixo que eu colocava na rua amanhecia revirado. Como qualquer pessoa normal, eu achei que eram os cachorros da rua, porém o cara que dividia apartamento comigo (Salve pro Dino!) notou que o cesto de lixo da rua era bastante alto para a maior parte dos cachorros alcançarem. Com isso, levantamos a hipótese de que seriam ou moradores de rua da região, ou catadores de reciclados. Levantamos muitas evidências ao longo dos dias, o lixo parecia sempre rasgado de forma grosseira e encontramos pelo de animal em volta da lixeira. Assim, conjecturamos que deveria ser um mamífero peludo de 1,70m de altura no mínimo. A conclusão óbvia era que poderia ser um animal novo, desconhecido pela ciência (um Lobisomem talvez) que estava atacando nosso lixo praticamente todos os dias. Resolvemos chamá-lo de "Dark Animal", pois não conseguimos defini-lo. Em um fatídico dia, Dino chega em horário alternativo em casa e flagra um possível candidato à Dark Animal... era um fucking CAVALO ao lado do nosso lixo destruído. O cavalo preenche as características de Dark Animal, mas não o pegamos no flagra, ele apenas tem todas as características necessárias para ser nosso devorador de lixo. Como bons cientistas deixamos esse assunto em aberto tendo o cavalo como principal candidato à Dark Animal, entretanto não poderíamos afirmar com certeza... e se fosse um Lobisomem ou qualquer outro animal desconhecido da ciência e da "criptozoologia", eu poderia descobrir um animal que ganharia meu nome, seria muito loco!  
 
Da mesma forma que não conseguimos descobrir com clareza quem era o Dark Animal devorador de lixo, apenas conseguimos levantar evidências das suas características e existência, nós também não conseguimos saber quem é a energia escura, apenas conseguimos levantar evidências das suas características e existência, e é disso que se tratará todo o texto.

A existência de energia escura precisa ser compreendida olhando para o início da cosmologia moderna, que se deu com Albert Einstein há quase 103 anos atrás com a publicação do seguinte artigo:

Artigo do Einstein de 1917 - Para uma tradução em inglês clique aqui.


Nele, Betão usou as equações da Relatividade Geral (TRG) para tentar modelar o Universo pela primeira vez. Utilizando a equação de campo da TRG que já discutimos milhares de vezes nesse blog, a relembrar:
 
$R_{\mu \nu} - \frac{1}{2} g_{\mu \nu} R = (8 \pi G/c^{4})T_{\mu \nu},   (1)$

na qual o lado esquerdo (sua esquerda) dessa equação descreve como a geometria do Universo se comporta frente uma quantidade de energia¹ (que está do lado direito da equação). Ou seja, uma certa densidade de energia causa uma deformação geométrica no espaço-tempo e isso é entendido como gravidade. 

Fazendo uma análise não lá muito aprofundada, Einstein pensou que sua equação mostrava que tudo no Universo estava constantemente se atraindo, não existindo nenhuma forma de compensar essa atração, assim grandes conjuntos de galáxias, chamados de Cluster, deveriam colapsar² rapidamente, ao invés permanecerem estáveis, como é observado. A sacada de Einstein foi incluir a mão, na sua equação, um termo capaz de atuar de maneira contrária à gravidade, ou seja, enquanto a gravidade atuaria de forma a puxar os objetos, esse termo "empurraria" os objetos para fora, mantendo os Clusters estáveis. O remendo na equação fica assim:

$R_{\mu \nu} - \frac{1}{2} g_{\mu \nu} R +g_{\mu \nu} \Lambda = (8 \pi G/c^{4})T_{\mu \nu} .  (2)$

Esse novo termo, $\Lambda$, que ganhou o nome de constante cosmológica (CC), seria responsável por exercer uma pressão negativa³ sobre a matéria. A essa altura do campeonato, não se falava em Universo expansivo, a visão da época se pautava em um Universo homogêneo, infinito e estático⁴, portanto a CC servia unicamente para evitar o colapso gravitacional de estruturas como clusters. Entretanto, um cara russo chamado Alexander Friedmann mostrou⁵ que as equações de Einstein não precisavam de nenhuma CC, elas próprias já levariam a um Universo expansivo o suficiente para evitar o colapsos das estruturas citadas.

Artigão matador do Friedmann, que pode ser lido aqui

De início, Einstein não se convenceu dos resultados de Friedmann, mas depois considerou a CC o maior erro de sua vida. Dramas a parte, os resultados de Friedmann, que mostravam um Universo naturalmente expansivo, fizeram com alguns físicos pensassem: "Se o Universo está se expandindo, claramente tudo esteve muito próximo no passado", e daí surgiu a ideia de "rebobinar" a expansão cósmica, dando origem assim a Teoria do Big Bang (TBB). Caso você queira entender o que é a expansão do Universo em si, dê uma olhada nesses textos anteriores: texto legal e texto mais legal ainda.
 
Com a TBB criada, começou-se a formular uma teoria cosmológica padrão. Avanços teóricos e observacionais mostraram que após o BB o Universo deveria ser opaco  e dominado por radiação nos primeiros 380 mil anos. Depois ele se tornaria transparente e seria dominado por matéria bariônica. Nessa visão não tínhamos ainda encontrado a necessidade da existência da Energia Escura... ou seja, o "saco de lixo" da cosmologia ainda não tinha sido revirado por nenhum "Dark Animal".

Um dos principais resultados que sustentavam a teoria do Big Bang, além da previsão e medição da radiação cósmica de fundo,  foram os dados obtidos por Hubble, que mostravam que quanto mais distantes as galáxias estavam, mais rápidas elas se afastavam. Cabe um adendo aqui, conhecendo uma equação para a velocidade de afastamento das galáxias era possível saber em qual momento elas estariam "todas juntas", ou seja, seria possível calcular a idade do Universo. Os dados iniciais de Hubble levaram a uma idade cósmica menor que a idade geológica da Terra, porém, com medições posteriores mais precisas chegou-se ao valor de 14,6 bilhões de anos, como é aceito hoje. 

A medida que a medição do afastamento de galáxias ficou mais precisa, notou-se que as equações de Friedmann levavam a um Universo expansivo, mas nem tanto como observado. O que o resultado dessas observações querem dizer é o seguinte: As equações que Friedmann, a partir das equações de Einstein, modelavam um Universo expansivo, porém as observações do afastamento de galáxias mostravam que a velocidade de expansão deveria estar aumentando.... isso significa que alguma coisa estava "esticando" o Universo, ou seja, aplicando uma pressão negativa que causasse uma expansão acelerada. Opa, agora algo mexeu no "saco de lixo" da cosmologia.

Para explicar essa expansão acelerada, os físicos pensaram na CC assim como pensamos em culpar o cavalo, ele já estava do lado do lixo, seria o candidato mais provável. Porém, da mesma maneira que não descartamos a hipótese de ser outro bicho revirando nosso lixo, os cientistas também não descartaram a hipótese de ser outra coisa que estivesse acelerando a expansão do Universo. Da mesma forma que nomeamos o bicho desconhecido de "Dark Animal", os cientistas nomearam essas "outras coisas" de "Dark Energy" (Energia Escura em tradução literal).

Um ponto importante que devemos citar é que entender a Matéria e Energia Escura é fundamental para entender o Universo, pois estimativas atuais mostram que a maior parte da matéria existente deve ser Matéria Escura e que a Energia Escura representa mais de 73% de todo conteúdo do Universo. Além disso, estamos passando atualmente por uma fase de transição do Universo, na qual a Energia Escura começa a dominar a Matéria escura e, com isso, ditar a dinâmica de expansão cósmica.

Agora que ouvimos a história da existência de um dos "Dark Animals" da cosmologia, vamos discutir sobre os possíveis candidatos à vaga de "revirador de saco de lixo cosmológico".


Candidatos

 

Constante Cosmológica

 

Uma das formas mais simples de tentar descrever uma expansão acelerada é justamente incluindo um termo de "Constante Cosmológica" na equação de Einstein. A fim de modelar isso de forma mais simples, podemos considerar que $\Lambda$ se comporta como um fluído ideal, o que leva diretamente a seguinte pressão negativa

$p_{\Lambda}=-\frac{\Lambda}{8\pi G},  (3)$

aqui, $G$ é a constante gravitacional. Por sua vez a densidade de energia é dada por

$\rho_{\Lambda}=\frac{\Lambda}{8\pi G}=-p.   (4)$

Isso significa que a medida que o Universo se expande é realizado trabalho sobre o fluído $\Lambda$, permitindo que a densidade de energia permaneça constante⁶ a medida que o volume do Universo aumenta.

A TRG não impõe muitos limites sobre a forma de $\Lambda$, assim como apenas a maneira de se rasgar um saco de lixo não impunha limites sobre a forma do nosso Dark Animal. Porém a mecânica quântica nos ajuda a levantar mais informações sobre quem é a CC. Quando fazemos as contas para entender o comportamento da energia do vácuo quântico⁷ para um campo escalar com potencial qualquer, vemos que as equações para densidade de energia e pressão são muito semelhantes à eq. (4) acima. Além disso, a TRG nos diz que o tem energia gravita⁸, logo a energia de ponto zero (vácuo quântico) também deforma o espaço-tempo. Isso tudo nos faz imaginar que a constante cosmológica pode ter sua origem como um tipo de energia de ponto zero, a qual existe mesmo que nenhuma partícula esteja presente.

Dois exemplos de potenciais $V(\phi)$, no primeiro o vácuo do potencial é a região mais baixa, que encosta no eixo $\phi_{1}$. No segundo potencial existem duas regiões de vácuo verdadeiro, que são as "corcovas" mais baixas, e uma região de falso vácuo, que é aquele morrinho central que encosta no eixo $\phi_{1}$. Caso você queira uma discussão mais detalhada veja aqui.
Fonte da imagem.
Essa definição, embora interessante, é ainda muito vaga, pois qualquer coisa que contribua para a energia do vácuo agirá como constante cosmológica, isso permite inclusive uma outra abordagem da CC que é muito interessante, a qual considera que ela nem sempre pode ter sido realmente uma constante, uma vez que podemos criar uma constante cosmológica efetiva do tipo:

$\Lambda_{eff} = \Lambda_{0} + V(\phi).$

Essa igualdade nos diz o seguinte: a expansão do Universo é guiada por uma CC cujo valor realmente nunca muda, dada por $\Lambda_{0}$, porém pode existir um (ou mais) potencial, associados a campos escalares⁹, que interferem na expansão acelerada do Universo e podem mudar com o passar do tempo, no caso estamos falando de $V(\phi)$.

Embora a visão da CC como energia de ponto zero seja uma explicação razoável,  devemos observar alguns pontos:

1 -  Essa energia de ponto zero realmente existe?

Sim, e isso é muito bem mostrado pelo efeito Casimir e pelo desvio de Lamb (clique sobre os hiperlinks para saber mais).

2 - O Problema da Constante Cosmológica.

Não importando se estamos falando de uma CC ou uma CC efetiva, o que temos que nos questionar é sobre qual o valor atual que os dados observacionais encontraram para ela. No caso, hoje mensuramos que para o Modelo Cosmológico Padrão (conhecido como $\Lambda CDM$, leia mais aqui) descrever o Universo em que vivemos, a densidade de energia da CC deve ser

$\rho_{\Lambda}\leq 10^{-48} GeV^{4}.$

Se você não está acostumado as escalas físicas, saiba que o valor esperado para a constante cosmológica expandir nosso Universo aceleradamente é algo realmente pequeno. 

Como evocamos um princípio da mecânica quântica para tentar explicar a CC, é importante ver o que nossas teorias da Física de Partículas e Campos têm a dizer sobre os valores de vácuo que elas conseguem calcular. Nossas teorias mais aceitas dizem que, no início do Universo, as 4 forças fundamentais (Força forte, fraca, gravitacional e eletromagnética) se comportavam como uma única força e, a medida que o Universo foi resfriando, elas foram se separando. A força da gravidade é a primeira a se separar das demais forças, depois disso a força forte se separa, porém para descrever o momento da separação da força forte nossa teoria vigente (Cromodinâmica Quântica - QCD) prevê a existência de uma energia de vácuo dada por

$\rho^{CQD}_{\Lambda}\sim 8,1 \times 10^{-3}GeV^{4}.$

Após o desacoplamento da força forte, restou ainda a força eletrofraca, que era a unificação da força fraca e com a eletromagnética, hoje descrita pela Teoria de Weinberg-Salam. Para que o desacoplamento dessas duas últimas forças aconteça, nossa teoria prevê que o vácuo quântico deveria ter o valor de 

$\rho^{E.F}_{\Lambda}\sim 1,6\times 10^{9}GeV^{4}.$

Comparando os valores que a Física de Partícula prevê para o vácuo quântico cosmológico e o que é observado, nota-se claramente que esses valores são absolutamente discrepantes. Mano, você precisa de só $10^{-47} GeV^{4}$, enquanto que na melhor das hipóteses temos $8,1 \times 10^{-3} GeV^{4}$. Essa absurda diferença de valores é chamada de "Problema da Constante Cosmológica" por motivos óbvios. 

Essa explicação acima não é a única forma de abordar o que é o Problema da CC, existem diversas formas de se o fazer. Alguns físicos dirão que o problema é a grande diferença entre o valor observado e o valor teorizado para a energia de ponto zero. Outros dirão que o problema é na verdade explicar porque $\Lambda$ não é zero, ou mesmo porque a densidade de energia de ponto zero é da mesma ordem de grandeza da densidade de energia do Universo. Há ainda aqueles que dizem que o problema central surge da sistemática necessidade de ajuste fino que a teoria precisa por conta da instabilidade radiativa, que surge da teoria de perturbação. 

O ponto central aqui, que é a forma como EU gosto de olhar para esse para esse problema, é: "O que é a energia de ponto zero e como ela gravita?".

Campo escalar

 

Para não enrolar muito, a definição de campo escalar e vetorial pode ser vista nesse outro texto do blog.

Nós conhecemos apenas um único campo escalar fundamental, que é o campo de Higgs, mas no nosso mundo colorido nutrimos a ideia de que devem existir muitos outros escalares desconhecidos. 

A cosmologia quântica tem um carinho especial por esses campos, pois existe um bom motivo para considerarmos sua existência e relevância cosmológica. Como citamos, o modelo de Weinberg-Salam descreve como a força fraca se separa da força eletromagnética no início do Universo e, para isso, é necessária a existência de um campo escalar, chamado campo de Higgs, não entrarei em maiores detalhes sobre isso, pois você pode ler aqui. Se o campo escalar de Higgs é necessário no início do Universo, talvez ele cumpra demais papeis na cosmológica, como por exemplo causar a grande inflação inicial do cosmos, ser a Matéria Escura e quem saber ser até a Energia Escura. 

Muita discussão foi feita sobre o campo de Higgs, hoje ele é um bom candidato ainda a ter realizado a inflação cósmica, porém ele não possui características técnicas adequadas para Matéria e Energia Escura. Entretanto, podemos pensar: Será que existe um outro campo escalar, desconhecido até o momento, que seja capaz de atuar como matéria escura e energia escura?  É nesse espírito que surge a cosmologia do campo escalar, que consiste em tentar descrever toda a história do Universo a partir de um ou mais campos escalares que possam, talvez, existir.

Existem trabalhos muito interessantes mostrando como um campo escalar pode atuar como Matéria Escura, mas nosso foco aqui é na sua atuação como Energia Escura. Teorias que consideram que a Energia Escura seja um campo escalar são chamadas de modelos de Quintessência¹⁰.

Se você leu meus textos sobre Inflação cósmica você terá uma facilidade enorme em entender o mecanismo por trás dos modelos de Quintessência, pois é praticamente a mesma coisa. Como eu expliquei nos textos linkados acima, nos instantes iniciais, nosso Universo passou por uma expansão muito abrupta e que durou um infinitésimo de segundo. A melhor teoria para explica essa expansão absurda é que de um campo escalar chamado inflaton rolou lentamente para o vácuo de um potencial cosmológico, liberando energia suficiente para que o cosmos se expandisse de maneira absurdamente rápida. Após essa expansão, o Universo deve continuar se expandindo de forma acelerada, porém de maneira bem mais suave. 

Com essa ideia em mente, sabendo que um campo escalar pode atuar como o gatilho de uma expansão absurda, é fácil pensar que da mesma forma um campo escalar pode estar acelerando o Universo agora, quem sabe pode ser até mesmo o que sobrou do inflaton.

Seguindo a mesma ideia da teoria da grande inflação inicial, podemos pensar que a expansão acelerada atual se dá a medida que um campo escalar cosmológico desce potencial a baixo em direção ao seu vácuo.  Para a teoria funcionar, basta forçarmos que a escala de energia do vácuo do potencial seja

$\rho^{\phi}_{\Lambda} \approx 10^{-47}GeV^{4},$

já que esse valor é observado hoje. Note que já conhecemos esse valor e então forçamos o vácuo quântico do nosso modelo de Quintessência a respeitá-lo, não é algo que surge naturalmente batendo lindamente com o resultado observacional. Embora isso evite o problema do valor da energia de ponto zero, como ocorre com a CC, nós nos deparamos com outros problemas, como "quem car***os é esse campo escalar?" Eu sei lá quem seria.... o Higgs não tem como ser, então tem que ser algo novo, algo que nunca vimos antes, tipo o lobisomem que poderia estar rasgando meu lixo. Além disso, que potencial seria esse que o campo respeitaria e que levaria exatamente a expansão acelerada que vemos hoje? Existem milhares de potenciais a serem testados e, quando os testamos, muitas vezes precisamos ajustar alguns parâmetros para que batam com o observado, o que compromete a falseabilidade da teoria.  

Campos vetorial


Definição rápida: Campos vetoriais fundamentais, em física de partículas, são campos associados aos bósons de spin 1, como o fóton por exemplo (bósns Z e W também) ou seja, o campo eletromagnético é um campo vetorial cujo mediador de força (bóson) é o fóton.

Pouca gente sabe, até mesmo quem faz física, que campos vetoriais podem ser usados para fazer cosmologia. Embora eles quebrem a simetria de Lorentz, termo bonito para "escolhem um direção preferencial para se propagar e com isso fodem o conceito de isotropia do Universo", é possível criar modelos cosmológicos usando esses caras.

Como campos físicos usados em cosmologia precisam ser de longo alcance, um cara que dá pra usar aqui é o próprio campo eletromagnético, mas existem muitas pesquisas com campos vetoriais genéricos, portanto vamos discutir no âmbito geral.

As pesquisas atuais têm mostrado que os campos vetoriais podem sim ser bons candidatos a inflaton e Energia Escura em certos aspectos. Primeiro que é possível reduzir sua falta de isotropia até um ponto coerente com o observado. Segundo que esses campos parecem poder atuar mesmo sem ter interação com a matéria bariônica. Nesse âmbito, o problema dos parâmetros livres que precisam de ajuste fino, que surgem nas demais teorias, também aparece aqui em mesma quantidade. Um último ponto é que a determinação da massa desses campos é muito dependente dos parâmetros escolhidos para o potencial, por exemplo, um potencial que guie corretamente a inflação levaria a massa do campo como sendo da ordem de $TeV$, enquanto que para modelar a Energia Escura seria necessário  um campo com massa da ordem de $10^{-33} eV$.

Modelos cosmológicos cuja dinâmica é guiada por campos vetoriais recebem ainda pouca atenção em física, apesar dos esforços de alguns cientistas, isso se deve a alguns problemas sérios sobre a natureza vetorial desses campos que interfere diretamente na isotropia do Universo. Nos modelos citados acima é necessário que se trabalhe com campos vetoriais que levem a uma anistropia reduzida, respeitem a causalidade e conduzam corretamente a dinâmica do Universo. Um outro ponto negativo é que esses modelos levam à equações dinâmicas bem mais complicadas do que as demais teorias. 

 Campos espinoriais


Eita nois, chegamos nessa parte horrorosa... Primeiro de tudo, eu já defini espinor, bem como cosmologia espinorial, nesse texto aqui, então corre lá dar uma lida.

Campos espinoriais, assim como campos vetoriais, são um pouco renegados na cosmologia, mas esses caras possuem uns resultados interessantes, vamos lá.

No âmbito geral, campos espinoriais são capazes de realizar uma grande inflação cósmica redondinha, com exceção de um problema: os valores esperados do campo no vácuo do potencial cosmológico não são bem estabelecidos.... 

"tá... mas o que isso quer dizer ?" Isso quer dizer que a medida que o nosso campo físico, seja ele qual for, desce para o menor valor do potencial que guia a dinâmica cosmológica, a inflação cósmica acontece, pois esse campo libera energia para o Universo se expandir. Quando o campo atinge o menor valor do potencial ele precisa ter um valor bem definido e não conseguimos fazer isso com clareza para campos espinoriais. 

Um ponto interessante que nós (eu e o Saulo) conseguimos mostrar, é que campos espinoriais possuem uma explicação física para existir a expansão cósmica, seja ela a grande inflação ou a expansão acelerada atual. Essa explicação se deve ao fato de que espinores devem respeitar o princípio de exclusão de Pauli, o qual diz que duas ou mais partículas fermiônicas não podem ocupar o mesmo estado quântico. Quando você tem um campo espinorial descendo para o menor valor de energia de um potencial, as partículas desse campo estão todas tentando atingir esse menor valor de energia, mas o princípio de exclusão impede isso, aí o que nosso sistema (Universo) precisa fazer, para acomodar essas partículas o mais próximo possível desse valor mínimo de energia, é causar uma expansão suficientemente grande, o que faz com que essas partículas fiquem estáveis em níveis de energia bem próximos. Isso é semelhante ao que acontece em uma estrela de nêutrons, por exemplo.

Em relação a expansão acelerada atual, espinores podem atuar como Energia Escura de duas formas: Como uma espécie de "quintessência"¹¹ e como constante cosmológica. Como CC é mais simples, simplesmente escolhemos um potencial cosmológico que não se anule quando campo espinorial desce para seu vácuo, isso permite que sobre um valor constante que atue exatamente como $\Lambda_{eff}$ discutido no primeiro tópico.

Já o comportamento estilo quintessência é bem mais complicado e possui vários problemas adicionais. Mas de forma geral o que você precisa saber é o seguinte: existe um campo espinorial cosmológico, ou seja, o comportamento dele afeta nosso Universo. Caso esse campo espinorial não tenha contribuído para a inflação cósmica, ele simplesmente está rolando bem lentamente para o vácuo de um potencial cosmológico, que é bem plano¹², e com isso está liberando energia para que o Universo se expanda de maneira acelerada. 

Para o caso do campo espinorial ter atuado também na inflação cósmica, é necessário que sua dinâmica respeite um potencial mais complicado, com diferentes valores de vácuo, veja a imagem abaixo. Durante esse primeiro estágio, o campo desce para um falso vácuo de valor mais alto, causando a inflação cósmica e se mantendo lá por algum tempo. Após a inflação, sabe-se Deus o porquê, o campo pode tunelar quanticamente e descer para o vácuo verdadeiro, que possui menor energia. É na descida para o vácuo verdadeiro que o campo espinorial guiará a expansão acelerada atual.

Potencial com falso vácuo (false) e vácuo verdadeiro (true). A bolinha representa um campo físico qualquer


Se atente para algo legal: a expansão, seja ela qual for, acontece enquanto o campo rola em direção ao vácuo e acaba assim que essa região é alcançada.

Quais são os problemas com esses modelos? São vários, mas os principais, e mais fáceis de se entender são: 

1 -  No caso de modelos "tipo quintessência", temos problema de definição correta dos valores da massa do campo e da determinação dos valores esperados de vácuo em alguns modelos. Também existem problemas de o campo adquirir velocidades superiores a da luz, além de ajustes fino.

2 - Modelos de CC: Aqui temos novamente problemas de definição de valor massa e ajustes finos. Em alguns casos temos equações complicadíssimas para guiar a dinâmica do Universo, mas isso também vale para o caso anterior.    

Gravidade modificada (TGM)


Graças a Deus tá acabando(!), mas esse tópico é o mais difícil de se discutir, pois existem MUITAS teorias de gravidade modificada, para tanto nos cabe apenas falar de aspectos gerais e muito superficiais, o que vai deixar esse tópico vago, mas vamos lá.

Teorias de gravidade modificada se baseiam em formas de alterar as equações de Einstein de maneira que expliquem a expansão acelerada atual sem a necessidade de CC ou Energia Escura. A forma de se fazer essas alterações vai depender muito de teoria para teoria (Eu discuti um pouco de teorias de gravidade modificada aplicadas à matéria escura nesse texto aqui). 

Algumas TGM, por exemplo, dizem que a constante gravitacional $G$ na verdade varia a depender da região do Universo que você está, essas teorias recebem o nome de Teoria de Brans-Dicke. Por outro lado, algumas teorias fazem "correções de infravermelho" nas Equações de Einstein, que são correções que surtem efeitos somente nos dias atuais da vida do Universo. Para tanto, o escalar de curvatura $R$ das equações de Einstein é trocado para uma função de $R$, ou seja, $f(R)$. Com isso tudo no passado é descrito de forma exatamente igual a TRG, mostrando alterações gravitacionais apenas para a idade recente do Universo, que é quando a expansão cósmica acelerada se faz presente. A priori existem 3 tipos de teoria $f(R)$, que inclusive, são consistentes com a Teoria de Brans-Dicke.

Não importando de qual TGM estamos falando, antes de querer descrever a aceleração atual do Universo, esses modelos precisam passar pelos mesmos testes experimentais e observacionais da TRG. Isso significa descrever a física do sistema solar corretamente, descrever lentes gravitacionais, garantir a conservação de energia e momento (linear e angular) localmente, não pode ter objetos com velocidade maior que a da luz e etc.

TGMs até conseguem descrever de forma geral a expansão acelerada atual, mas sofrem também de problemas sérios, os principais são ajustes finos, que parece uma praga nos modelos cosmológicos, além disso existem problemas de instabilidade que podem ser vistos de duas formas distintas: 

1 - apenas sobre condições muito bem estabelecidas esses modelos levam à expansão acelerada, pequenas variações nos parâmetros já cagam completamente o modelo.
2 - os parâmetros não são tão sensíveis assim, mas o Universo descrito por essas teorias são fortemente instáveis. Por exemplo, a instabilidade de Dolgov-Kawasaki mostra que algumas teorias f(R) colapsam muito rapidamente na presença de matéria, descrevendo Universos com intensas forças gravitacionais em momentos que isso não deveria acontecer.

Além disso tudo, em determinados casos, tais teorias sequer conseguem modelar a gravidade corretamente em regiões de pequena curvatura. Alguns modelos de TGM inclusive não conseguem descrever um Universo sem matéria escura, como também se propõem a fazer.

Quem está se saindo melhor?

 

Como vocês puderam notar, todas as nossas tentativas de modelar a expansão cósmica recente sofrem de sérios problemas. Entretanto as teorias que tem se mostrado mais aceitas, no âmbito cosmológico como um todo, são CC e campo escalar, mas é necessário pontuar algumas coisas. Primeiro que modelos cosmológicos guiados por campos escalares também podem estar associados a CC, pense no seguinte: o campo escalar faz a inflação cósmica, depois atua como matéria escura e existe uma CC que pode ou não estar associada ao campo escalar. Esse cenário é condizente com as observações e medições da polarização da radiação cósmica de fundo. Segundo, o campo escalar é mais simples que os demais, levando à equações também mais simples. 

Os demais modelos de Energia Escura ou de modificação da gravidade, embora bastante estudados, ainda estão à margem quando comparado à cosmologia do campo escalar. Embora todos sofram de problemas sérios, o campo escalar e a CC possuem alguns pontos positivos, a simplicidade e maior naturalidade desses modelos pesam bastante, além de possuírem um caráter histórico e certo amparo observacional.

Por fim, nesse tópico sobre "se sair melhor" cabe-nos falar de algo muitoooo importante: "Como saber qual teoria está certa a partir de dados observacionais."

O campo escalar consegue muito bem modelar nosso Universo, mas não conhecemos nenhuma outra partícula escalar fundamental além do bóson de Higgs que, como já falamos exaustivamente, não pode ser responsável pela cosmologia. Então estamos num panorama que existe a necessidade de se distinguir, observacionalmente, um Universo guiado por campo escalar desconhecido daquele guiado por demais campos. Isso significa o seguinte: Em uma teoria que nosso campo espinorial, vetorial, escalar ou TGM faz a grande inflação cósmica, é importante tentarmos procurar por assinaturas desse modelo na polarização da radiação cósmica de fundo, caso não seja possível, fica inviável distinguir qual tipo de campo guiou o Universo naquela ocasião. Quando olhamos para modelos que tentam explicar a expansão acelerada atual o mesmo acontece, precisamos que esses modelos levem a Universos acelerados ligeiramente diferentes do campo escalar, para que possamos buscar essas peculiaridades nos dados colhidos e então diferenciar os campos.

Caso essas teorias não produzam pequenas diferenças observacionais, elas não precisam ser descartadas, mas teremos que encontrar formas indiretas para distingui-las, provavelmente por meio da física de partículas.  

Como último adendo, é importante que você saiba que estamos muito avançados em "modelos" para explicar Energia Escura e a cosmologia de modo unificado. Aqui não falamos de muitas coisas importantes e interessantes, pois eu teria que escrever um livro sobre "Modelos Cosmológicos" para abarcar tudo que eu gostaria de falar (a ideia não é ruim). Hoje existem muitos modelos híbridos que trabalham com campos de diferentes naturezas acoplados e, dentro da quintessência e de campos vetoriais, é possível utilizar uma teoria chamada de "gravidade camaleão" que é muito interessante e não pudemos falar sobre. Muitas, mas muitas outras coisas que são igualmente interessantes e existem por aí ficaram de fora do "review". Portanto espero que você use esse texto como um direcionador para começar a entender um pouco melhor o assunto.


 ACABÔÔÔÔÔÔÔÔ!!!!

acho que bati o recorde de maior texto do blog...


0 - Se você tem menos de 23 anos nunca deve ter ouvido falar em poupança do banco Bamerindus, então aqui tem 5 minutos de propagandas pra vc viver essa linda época.
1 -  Não apenas energia, mas momento, cisalhamento e etc.
2 - Por "colapsar" entende que as galáxias que compõem o cluster deveria ir uma de encontro as outras, terminando na colisão de todas elas.
3 - Se a pressão comprime as coisas, uma pressão negativa faz o oposto, expande as coisas.
4 - Na verdade, um cientista chamado Vesto Slipher já tinha mostrado que várias galáxias pareciam se afastar da Terra, porém esse resultado era ainda desconhecido por Einstein e parte da comunidade acadêmica.
5 - O primeiro a mostrar um Universo expansivo utilizando as equações de Einstein foi de Sitter em 1917, porém seus trabalhos eram um tanto nebulosos e ficaram para escanteio na época. Além disso, o padre francês Lemeître também chegou aos mesmos resultados de forma independente mais ou menos na mesma época que Friedman.
6 - Como você é bastante inteligente deve estar se perguntando "Mas e a conservação de energia como fica nessa questão ?". O ponto central é que a energia não se conserva globalmente em TRG e esse assunto é bastante complicado de se discutir, pois está associado à base algébrica e geométrica da TRG. Nesse momento estamos escrevendo um artigo discutindo "conservação de energia em TRG e cosmologia" para a Revista Brasileira de Ensino de Física, depois que terminarmos eu faço um post aqui no blog explicando de forma mais "for dummies". 
7 - Vácuo na mecânica quântica é diferente da mecânica clássica, aqui seu significado é de "menor energia" que seu sistema pode atingir. Então energia de vácuo, ou energia de ponto zero, é a menor energia do sistema. Fizemos uma longa discussão sobre isso no texto sobre o bóson de Higgs.
8 - Talvez você tenha se perguntado "você não precisaria de um teoria da gravidade quântica para estudar exatamente como a energia de ponto zero gravita?", não necessariamente, pois aqui estamos de fato acoplando matéria quantizada à gravitação clássica, isso é possível graças ao fato de que estamos trabalhando acima da escala de Planck e abaixo de energias altas suficientes para demandarem um Teoria de Tudo. 
9 - Discutimos bem o que são campos escalares, vetoriais e spinoriais nesse texto aqui. Mas um ponto interessante é que nesse caso consideramos o potencial associado a campos escalares por simplicidade, mas eles poderiam de alguma forma serem potenciais associados a campos vetoriais, tensoriais, spinoriais e etc.
10 - O modelo de quintessência é modelo mais simples para o campo escalar, existem casos mais complexos como phantons e k-essence que não rola de discutir nesse texto.
11 - Coloquei entre aspas porque quintessência é para campos escalares, o que quero dizer aqui é que o campo espinorial atua diretamente expansão acelerada atual.
12 - Por "plano" entende que não é um potencial muito inclinado, ou seja, tem uma descida bem suave em direção ao seu vácuo.


Referências:

Energia Escura contexto geral:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-97332006000700002
https://arxiv.org/pdf/1601.00329.pdf
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/181695/guimaraes_tvm_dr_guara.pdf?sequence=3&isAllowed=y


Constante Cosmológica:

https://arxiv.org/pdf/1705.06294.pdf
https://arxiv.org/pdf/1711.06890.pdf
https://arxiv.org/pdf/1502.05296.pdf
https://arxiv.org/pdf/1901.08588.pdf
https://sci-hub.tw/https://journals.aps.org/rmp/abstract/10.1103/RevModPhys.61.1

https://link.springer.com/article/10.12942/lrr-2001-1

Campo escalar

https://arxiv.org/pdf/1308.4069.pdf
https://arxiv.org/pdf/1503.05750.pdf
https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1742-6596/761/1/012076/pdf
http://supernovae.in2p3.fr/~joyce/mjoyce_habilitation.pdf
https://arxiv.org/pdf/1610.08965.pdf
https://arxiv.org/pdf/1706.10211.pdf
http://inspirehep.net/record/1625060?ln=pt
https://arxiv.org/abs/1304.1961
https://arxiv.org/abs/0803.4076
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-97332000000200002


Campo vetorial

https://arxiv.org/abs/gr-qc/0701029
https://arxiv.org/abs/0805.4229
https://ui.adsabs.harvard.edu/abs/2016gac..conf..135M/abstract
https://surface.syr.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&httpsredir=1&article=1216&context=phy
https://journals.aps.org/prd/abstract/10.1103/PhysRevD.99.123521

Campo espinorial

https://arxiv.org/abs/1002.4230
https://arxiv.org/abs/0906.1351
https://www.hindawi.com/journals/isrn/2013/374612/
https://www.researchgate.net/publication/45894009_Dark_Spinors
https://www.researchgate.net/publication/1917866_Dark_spinor_inflation_Theory_primer_and_dynamics
https://arxiv.org/abs/1811.00390
https://arxiv.org/abs/1702.07385
(Acabamos de terminar um review sobre cosmologia do campo espinorial, quando sair posto aqui)


Teorias de gravidade modificada.

https://arxiv.org/abs/1309.3523
https://arxiv.org/abs/gr-qc/0607124
https://arxiv.org/pdf/1811.03964.pdf
https://arxiv.org/abs/1503.07412
https://arxiv.org/abs/1811.00390
https://arxiv.org/abs/astro-ph/0610734
https://arxiv.org/abs/1212.4928
https://www.researchgate.net/publication/225464491_Conditions_and_instability_in_fR_gravity_with_non-minimal_coupling_between_matter_and_geometry
https://arxiv.org/pdf/gr-qc/0611107.pdf

quarta-feira, 27 de novembro de 2019
Posted by Thiago V. M. Guimarães

Fizemos uma teoria cosmológica unificada que descreve Inflação cósmica, matéria escura e energia escura

Olha só!!! pra você que achou que o Simetria de Gauge estava morto, sinto lhe dizer que …. você estava certo! Talvez eu traga ele de volta do mundo dos mortos… mas apenas talvez, pois a vida ficou corrida nos últimos anos.

Pois bem, cá estou de volta e dessa vez vou contar pra vocês como eu gastei 53 mil reais do seu dinheiro :) para criar um modelo cosmológico que faz barba, cabelo e bigode. Ou seja, esse texto é uma prestação de contas à você que pagou minha bolsa de doutorado e hoje paga meu salário de professor pesquisador.


Foto ilustrativa, achei isso quando pesquisei por dark matter no google...



Se tiver algum termo não explicado durante o texto, click nos textos linkados.

A cosmologia é hoje uma das áreas de pesquisa em física com maior número de grandes problemas em aberto. Por exemplo, hoje acreditamos que o Universo começou com um Big Bang quente, após esse período houve uma rápida inflação cósmica, logo após veio uma fase em que o Universo passou a ser dominado por radiação, posteriormente por matéria escura e nos dias de hoje por energia escura. Essa visão de evolução cosmológica é o padrão que temos hoje, entretanto nós não entendemos bem o Big Bang, não sabemos o que foi que causou a inflação cósmica subsequente, não sabemos o que é matéria escura, nem energia escura e menos ainda sabemos se isso tudo tem relação ou se são eventos separados.

Antes de falarmos exatamente do que nós fizemos, é importante (até pela forma que me propus a levar esse blog) deixar tudo bem explicado dentro do contexto que queremos trabalhar, então vamos falar do modelo cosmológico $\Lambda$CDM.

Modelo cosmológico que queremos descrever:


De maneira generalista, o modelo cosmológico que descreve um Universo fisicamente equivalente ao nosso é o modelo $\Lambda$CDM¹, o qual considera um Universo cuja gênesis se dá no Big Bang, seguido por um período no qual o conteúdo material existente era apenas a radiação, perdurando por cerca de 380 mil anos de sua história. Após esse período o Universo passa a ser dominado por algum tipo de matéria escura fria (o termo "fria'' se refere a ser não relativística, ou seja, baixa velocidade) e em tempos tardios passa para a fase dominada por algum tipo de energia capaz de produzir certa pressão negativa, levando a uma expansão cósmica acelerada que começa a ser vista nos dias de hoje.

Mas o que queremos dizer por expansão cósmica? Quando olhamos para as galáxias em nossa volta percebemos que no geral todas elas estão se afastando de nós a uma taxa específica. Se estivéssemos em qualquer outro lugar do Universo, também veríamos tudo se afastando de nós da mesma forma, logo todo o Universo está se expandindo... A medida desse afastamento entre tudo que observamos é chamado de fator de escala, designado por um parâmetro adimensional $a(t)$. Basicamente o estudo da evolução cosmológica é na verdade o estudo da evolução do fator de escala, o qual se comporta de forma diferente a partir do conteúdo material do Universo. Por exemplo, quando este é dominado por radiação, o fator de escala deve evoluir proporcional a $a \propto t^{1/2}$, esse período dura 380 mil anos, tendo seu final quando o Universo se torna transparente e a radiação luminosa pode vagar por aí e chegar até nós hoje, ou seja, a fase dominada por radiação era escura e não podemos observá-la diretamente. Após o período de radiação, toma lugar o período de domínio da matéria escura fria, o qual evolui proporcional a $a \propto t^{2/3}$. Na imagem abaixo eu plotei a evolução do fator de escala dessas duas fases.



Figura 1 - Universo evoluindo com $a(t) \sim t^{1/2}$ (curva azul) e posteriormente evoluindo com $a(t) \sim t^{2/3}$ (curva amarela). O tempo $t^{*}$ marca a transição entre as fases.

Depois que a fase dominada pela matéria escura começa a perder lugar, tem início a era de domínio da energia escura, que por coincidência é a era em que vivemos agora... isso é uma coincidência tão grande que em cosmologia recebe o nome de "Problema da coincidência cósmica". Ou seja, estamos tendo a sorte de ver um momento de transição de fase do Universo.

Se você quiser uma outra visão da evolução das fases do Universo, podemos analisar pelo comportamento do conteúdo material a medida que o fator de escala aumenta, ou seja, a medida que o Universo aumenta de tamanho, a densidade da matéria/energia em seu interior deve cair, da mesma forma que uma quantidade de gás dentro de um pistão tem sua densidade diminuída quando você aumenta o volume. Dessa forma a energia da radiação deve decair com a quarta potencia do fator de escala, $a^{4}$, fazendo sua duração ser realmente pequena. Após o Universo se expandir e resfriar suficientemente, as partículas param de se movimentar em alta velocidade e se tornam matéria fria, devido a velocidade reduzida elas param de se chocar e a pressão do Universo vai para zero, nesse momento é dito que a matéria se comporta como poeira, a qual decai com o cubo do fato de escala, $a^{3}$, então essa fase é bem mais demorada que a fase de domínio da radiação.



Figura 5 - Evolução da dominação da matéria escura em relação ao fator de escala, $a = 10^{0}$ representa hoje.

Ainda, é discutido que logo após a inflação o Universo pode, na verdade, passar por uma rápida fase de domínio da matéria para então essa matéria decair em radiação, essa fase recebe o nome de Big Bang frio. Então nossa cosmologia aqui está estruturada com a seguinte ordem cronológica:

Big Bang quente $\rightarrow$ Inflação cósmica $\rightarrow$ Big Bang frio (?) $\rightarrow$ Era da radiação $\rightarrow$ Era da matéria (escura) $\rightarrow$ Era da energia escura. 
 
Restam duas coisas agora a se falar, a primeira é "como sabemos que a era depois da radiação é dominada pela matéria escura ?" e "o que pode ser a energia escura?". A resposta para a primeira pergunta é puramente observacional; quando observamos a rotação de galáxias e movimento de galáxias em cluster, vemos que esses objetos precisam ter muito mais massa do que é medido a partir da matéria visível (estrelas, gás, poeira), então é necessário existir algum tipo de matéria que não interaja com a luz, mas interaja gravitacionalmente com a matéria ordinária, por esse motivo ela recebe o nome de matéria escura. A resposta para a segunda pergunta é "não sabemos", sim não sabemos o que é energia escura e nossos modelos para tentar descrevê-la são problemáticos.

Embora o modelo $\Lambda$CDM seja muito bom, faça ótimas predições e explique muita coisa, ele também sofre com alguns problemas, dentre os quais podemos citar: problema da planura, problema do horizonte e problema das relíquias, não discutirei sobre esses problemas, pois já discutimos isso e muito mais nesse texto aqui

Esses problemas encontram uma solução interessante em um modelo chamado chamado "Inflação cósmica", no qual, logo após o Big Bang, o fator de escala passa por uma expansão muito rápida, cerca de 1 octilhão de vezes (ou mais) em uma fração infinitesimal de segundo. Isso é possível???? Sim, tanto matematicamente quanto fisicamente. Mas o que pode ter feito o Universo expandir de forma tão violenta ainda é desconhecido. Entretanto, os modelos inicialmente propostos utilizavam um campo escalar para desengatilhar a inflação, e existem dois bons motivos para isso. O primeiro motivo é que campos escalares são matematicamente mais simples de trabalhar. O segundo motivo é que nossos modelos de física de partícula (mais precisamente o modelo de Glashow-Weinberg-Salam), descreve que no início do Universo as partículas do modelo padrão não possuíam massa, até que um campo escalar chamado de campo de Higgs surge e algumas partículas ganham massa, enquanto outras (como o fóton) permanecem não massivas. Então é natural pensar que o campo de Higgs é um bom candidato a fazer a inflação, mas a realidade nunca é fácil e os modelos tradicionais de inflação com este campo já foram abandonados por apresentarem dificuldades teóricas. Por conta disso, ainda hoje é procurado um campo escalar capaz de realizar essa ultra rápida expansão do Universo.

Figura 2 - Comportamento do Universo antes, durante e logo após a inflação. Como é
possível ver, o Universo passa por um momento de expansão abrupta seguido de um crescimento proporcional a $a\propto t^{1/2}$, o qual representa uma era de domínio da radiação.

 


Qual comportamento esperamos para esse campo escalar ?


De forma geral, podemos fixar determinado comportamento para o campo escalar durante o processo de inflação cósmica. No caso, o comportamento de qualquer campo é descrito em física por sua energia cinética e potencial, o que é esperado é que o campo da inflação tenha uma energia potencial mais ou menos igual ao da Figura 4. Durante a inflação o campo escalar deve descer para a região mais baixa do potencial, chamada de vácuo, quando o campo está muito próximo dessa região a inflação acaba. Caso o campo tenha energia cinética suficiente para oscilar nesse vácuo (Figura 3), ele pode ser capaz de transferir energia para o Universo, reaquecendo-o e decaindo em demais partículas do modelo padrão, esse processo recebe o nome de "reaquecimento". Existem vários mecanismos interessantes que mostram como um campo escalar pode fazer esse reaquecimento, mas isso infelizmente não cabe nessa discussão.

Figura 3 - Comportamento do campo escalar pelo tempo. Como é possível ver, o campo desce para o vácuo do potencial depois realiza oscilações amortecidas.
 
Figura 4 - Um potencial polinomial genérico, como é possível ver, o campo escalar representados pela esfera vermelha desce para a região mais baixa do potencial, chamada de vácuo, onde realiza oscilações.


Um ponto interessante é que existem trabalhos mostrando que a matéria escura pode ser também um campo escalar (um condensado de campo escalar, na verdade) e outros trabalhos mostram que a energia escura pode ter duas fontes, ou ela seria também a ação de um campo escalar, ou ela seria algum tipo de energia de ponto zero. O primeiro modelo de energia escura é chamado de "quintessência" e é bastante estudado, pois veja que legal, se a inflação cósmica pode ser feita por um campo escalar, a matéria escura pode ser um campo escalar e a energia escura também pode ser a manifestação de um campo escalar, é possível construir um modelo unificado de cosmologia com um campo escalar guiando praticamente toda a dinâmica do Universo, ISSO É FANTÁSTICO! Mas e o modelo de "energia de ponto zero" ? Esses modelos são também muito interessantes e entenda "energia de ponto de zero" como "em algum momento sobra uma energia potencial de algum processo físico que é capaz de acelerar o Universo nos dias de hoje". Embora essas duas saídas explicar a energia escura sejam importantes para a cosmologia, ambas possuem diversos problemas teóricos que não cabem nessa discussão.

Legal, mas se o modelo com campo escalar funciona bem, porque precisamos construir outro?

Na verdade ele não funciona tão bem assim, primeiro que o único campo escalar fundamental conhecido é o Higgs, ou seja, se não for o Higgs quem está fazendo tudo isso qual campo escalar seria o responsável? Não fazemos ideia! Além disso, modelos inflacionários que conseguem dar um jeito (bem legal, a propósito) de usar o Higgs para fazer inflação não levam a cenários unificados, pois este campo não parece fazer matéria e energia escura de maneira tão consistente.


O modelo que propusemos

    
OKKKK, finalmente entendido o contexto vamos à pesquisa. Num belo dia eu resolvi que queria me aventurar na cosmologia, parecia legal e promissor, então conversei com meu ex orientador de doutorado e começamos a ver aplicações de física de partículas e campos em cosmologia. De início minha intenção era ver se um suposto campo escalar recém "descoberto" pelo LHC, o excesso do 750 GeV, era capaz de realizar inflação cósmica. Porém logo que comecei a organizar os estudos eu recebi a notícia de que a existência desse campo não seria confirmada, pois o que foi observado no LHC era na verdade um problema de medição apenas, não existia nada lá… tristezas a parte segue a vida…

Sem ter ideia do que fazer, resolvi só ver, sem muita empolgação, se um tipo novo de espinor, chamado de “espinor com dimensão de massa um” (Mass-dimension-one, MDO), seria capaz de realizar inflação cósmica. Esse espinor é algo muito interessante e cabe falar um pouco dele aqui. Primeiramente espinores são caras interessantes, pois como Cartan dizia, eles são os objetos mais fundamentais da natureza, uma vez que nascem da projeção de pontos do espaço-tempo². Outro ponto interessante é que eles surgem de um generalização simples, por exemplo: O Universo trabalha sobre um tipo de simetria chamada de CPT, que são “simetria de conjugação de carga” (C), simetria de paridade (P) e simetria temporal (T). A simetria P diz que se eu espelhar (trocar os sinais das coordenadas espaciais) uma partícula as leis da física para ela continuam sendo as mesmas, o mesmo vale para T, mas nesse é o tempo quem troca de sinal. Por último, a simetria C diz que se você mudar o sinal da carga de uma partícula, ou seja transformar a partícula em sua antipartícula, as leis da física também continuam a mesmas.

Um ponto fundamental é que espinores de Dirac (como o elétron e pósitron) surgem do operador Paridade³, então cabe a pergunta, "quem nasce do operador C ?". Quem nasce desse operador é um cara muito estranho, é um espinor que possui spin de férmion (1/2) e característica de massa de bóson, é um cara híbrido, um férmion com traços bosônicos. O melhor, é que como ele nasce de C, ele não pode carregar carga elétrica, ou seja, ele é naturalmente escuro (não interage com campos eletromagnéticos).  Uma última coisa muito legal do MDO é que seu comportamento cosmológico pode ser visto como um campo escalar efetivo, embora tenha spin de férmion... esse negócio é muito, muito, muito bizarro. 

Foi exatamente esse cara que nasce de C que resolvemos utilizar para criar um modelo de inflação cósmica (vou discutir melhor mais abaixo). Um outro ponto interessante, geralmente abandonado nos modelos usuais de “Cosmologia quântica”, é que em um momento que o Universo era dominado por uma alta concentração de energia, não apenas a curvatura do espaço-tempo deveria ser levada em consideração, mas também sua torção. Porém, os modelos tradicionais de inflação cósmica utilizam campos escalares e esses não interagem com torção do espaço-tempo. Então fazer um modelo espinorial nos permitira utilizar um campo escalar efetivo com a torção do espaço-tempo para inflacionar o Universo. 


Se você não é um físico que trabalha com TRG, uma coisa pode ter passado despercebida pra você: eu estou falando sobre criar uma teoria de gravitação que leve em consideração não apenas a massa como fonte de curvatura do espaço-tempo, mas também o spin da partícula. Isso é algo muito importante, pois a Teoria da Relatividade Geral é simétrica sobre transformações do grupo de Lorentz, que são translações espaciais e boosts, ou seja, não tem rotação nesse grupo e spin é rotação!!! Como faz pra resolver isso? Primeiro temos que considerar um grupo de simetria maior, chamado grupo de Poicanrè, o qual abarca translação, boosts e rotações⁴. É perfeitamente possível fazer isso e construir uma teoria mais ampla que a Relatividade Geral, chamada de Teoria de Gravitação de Einstein-Cartan-Sciama-Kibble. Essa teoria é uma generalização da TRG e existe uma motivação física muito grande para se construir essa generalização; em física de partículas nós mostramos que uma partícula é caracterizada por sua massa e spin ( que são dois valores do operador de Casimir), então é natural se pensar em uma teoria de gravitação que leve tanto a massa quanto spin como fonte de curvatura do espaço-tempo e é nesse framework que nosso modelo é construído.

Com nosso arcabouço teórico construído é hora dos resultados. First-things-first, começamos por entender o comportamento do campo MDO durante a inflação, que deveria descer para o fundo do vácuo do potencial enquanto o fator de escala do Universo cresce de forma quase exponencial (Figura 6), o que foi feito belamente. Além disso, para nossa felicidade, após o fim da inflação o campo MDO passa a oscilar, indicando que o campo está transferindo energia térmica para o Universo e reaquecendo-o, é nesse momento que as demais partículas do modelo padrão devem ser produzidas. Veja a Figura 7.

Figura 6 - Campo MDO fazendo o fator de escala crescer de forma quase exponencial.

Figura 7 - Campo MDO descendo até o vácuo do potência, note que ele oscila de maneira amortecida ao final da inflação.

Esses dados já são por si só interessantes, pois nosso modelo descreveu corretamente duas fases subsequentes do Universo. Resolvemos então verificar mais afundo e detalhadamente como era esse comportamento, o que nos fez descobrir algo importante: após a inflação cósmica e antes do reaquecimento nosso modelo levava a época de “Big Bang frio” (Figura 8) e depois decaia em radiação. Levar naturalmente a essas fases é algo bastante novo para um modelo cosmológico e isso é indicação forte de que o MDO é um excelente candidato para fazer inflação cósmica e talvez até descrever as fases seguintes de domínio da matéria e energia escura. Mas nem tudo são flores, fazer um mecanismo de reaquecimento consistente para este campo não é uma tarefa fácil e estamos tentando entender isso melhor no momento, mas já sabemos duas coisas, a primeira é que o reaquecimento pode ser feito através do acoplamento do MDO com o campo de Higgs, o qual receberia energia do nosso campo espinorial e depois transferiria para o Universo. A segunda é um possível acoplamento bem fraco do nosso campo com campos eletromagnéticos, dessa forma o MDO transferiria sua energia para fótons os quais decairiam nas demais partículas do modelo padrão. Esperamos que durante essa fase um desses dois mecanismos seja dominante, mas precisamos estudar isso mais afundo.

Figura 8 - A curva preta mostra o comportamento do fator de escala logo após a inflação, em vermelho traçamos uma curva $t^{2/3}$ para servir de comparação. Como é claro de ver, o comportamento do fator de escala é proporcional a $t^{2/3}$, caracterizando um Universo dominado por matéria logo antes de decair em uma fase de domínio da radiação.


Depois que nosso modelo fez muito bem as 3 eras iniciais do Universo, resolvemos acoplar o MDO com matéria bariônica (matéria conhecida), já que ele deve ficar livre por aí após o período de radiação. Para nosso espanto, o modelo mostrou que após a era da radiação, o MDO naturalmente apareceu acoplado gravitacionalmente com a matéria bariônica, isso significa que ele surgiu de forma espontânea como matéria escura. Outro aspecto fundamental é que um restinho de energia potencial do campo levou o Universo a possuir uma pressão negativa, a qual é interpretada como energia escura. Na imagem abaixo você pode ver a densidade de energia do Universo (Figura 9) e a pressão (Figura 10), na primeira equação existe a contribuição da matéria escura e uma densidade de energia associada ao valor de vácuo do potencial, ali chamada de $V_{2}(\varphi_{c})$, a qual representa uma constante cosmológica/energia escura.


Figura 9 - Densidade de energia do campo MDO, no primeiro termo $\phi_{c}$ representa o campo MDO e $\rho_{b}$ a densidade de energia da matéria bariônica, ou seja, o nosso espinor está gravitacionalmente acoplado a matéria ordinária, esse é um excelente comportamento para a matéria escura. O segundo termo é uma energia associado ao valor de mínimo da energia potencial do campo MDO, que atua como pressão negativa, ou seja, expandindo. 


$p_{\varphi}=-\left(1 + \frac{\kappa^{2}\varphi_{c}^{2}}{8} \right)V(\varphi_{c}).$
Figura 10 - Pressão do campo MDO, como é fácil perceber, ela é negativa, exatamente como a energia escura deve ser. 

O que eu estamos dizendo até aqui é: este é um modelo unificado que descreve inflação cósmica, Big Bang frio, reaquecimento, matéria escura e energia escura. Uma parte muito importante a se destacar é que quando trabalhamos com campos escalares para fazer a inflação cósmica, basicamente não temos uma motivação física para expandir o Universo tão rapidamente, o campo escalar faz inflação porque sim… quando inserimos um espinor é necessário levar em consideração o princípio da exclusão de Pauli, que diz que dois férmions idênticos não podem ocupar o mesmo estado de energia. Então veja só, eu tenho um Universo muito pequeno que surgiu logo depois do Big Bang, nessa ocasião os espinores MDO estão tentando descer para o vácuo do potencial, mas o princípio de exclusão não permite que todas as partículas do campo MDO atinjam o mesmo valor de energia, então aparece uma pressão quântica chamada de “pressão de degenerescência”, sim aquela mesma pressão que está por trás da formação de buracos negros e estrelas de nêutrons (como discutimos aqui). Essa pressão vai expandir o Universo abruptamente para assim ser possível acomodar os espinores em faixas de energia muito próximas do estado fundamental, com isso temos uma excelente motivação física para explicar porque o Universo se expande.

O papel aceita tudo…. Mas qual a consistência desse modelo? 


Claramente, para um modelo físico ser factível ele precisa estar de acordo com dados experimentais/observacionais, portanto é necessário conectar nossos dados com os dados obtidos por sondas como a Planck. No caso o modelo levou a uma densidade de matéria correta para o que é observado hoje (Figura 11), além disso o fator de escala cresce exatamente como deveria para as diferentes épocas do Universo e atinge valor em bom acordo com o que é medido na atualidade, como você pode ver na Figura 12. Além disso o comportamento de $a$ coincide com perfeição com os dados de Supernovas do tipo 1A (Figura 13) para a energia escura.

Figura 11 - Durante a inflação a densidade de energia é aquele patamar constante, como é esperado em modelo inflacionários, depois disso é ela decai até $10^{-28}g/cm^{3}$, o mensurado hoje é uma densidade da ordem de  $10^{-27}g/cm^{3}$, entretanto esse gráfico foi plotado somando com o espinor MDO, sem a contribuição da matéria bariônica.


Figura 12 - Aqui vemos o fator de escala chegando a um valor muito coerente com o observado hoje. Ok, se você trabalha com cosmologia, vai reclamar que este gráfico deveria chegar em $10^{0}$, mas plotamos o gráfico com a escala ao contrário e preguiça de arrumar foi grande.

 
Figura 13 - Em azul são dados de Supernova do tipo 1A, enquanto que a curva em vermelho  representa a evolução do fator de escala dominado pelo MDO atuando como energia escura.

Por último, um dos pontos centrais da concordância entre modelos teóricos e os dados observacionais é o que chamamos de “teoria de perturbação cosmológica”, quando construímos uma teoria de perturbação para nosso campo, ela deve descrever a espectro de potência da radiação cósmica de fundo. Nesse exato momento eu estou fazendo essa parte da pesquisa mais detalhadamente, porém já fiz uma versão simplificada da perturbação e obtive os resultados esperados, ou seja, o modelo concorda com os dados observados na radiação cósmica de fundo observada hoje, o que estou fazendo agora é tentando achar uma forma de ver se a torção do espaço-tempo pode ter deixado alguma marca na radiação cósmica de fundo.

Mas nem tudo são flores....


Como você sabe, não existe teoria/modelo científico perfeito, pois é assim que a ciência funciona. No nosso caso também temos uns problemas a serem entendidos. O primeiro problema é referente ao mecanismo de reaquecimento, como foi falado, é necessário desenvolver um mecanismo mais consistente e entender um pouco melhor o acoplamento do campo MDO com o campo eletromagnético no regime de energia logo após a inflação. Outro ponto diz respeito a massa do espinor, pois não conseguimos fixar um valor preciso para ela, mas sim um range bem grande de massa que vai de 0 até $2.4\times 10^{10}GeV$. Por último eu estou cada vez mais convencido que fazer uma teoria de perturbação sobre o campo espinorial como é feita da forma tradicional está longe da realidade física do que é o espinor, então talvez seja necessário pensar um pouco mais sobre isso.


Esse trabalho nos rendeu até o momento 2 artigos, o primeiro dele foi publicado no maior periódico de cosmologia e astrofísica do mundo, o Journal of Cosmology and Astroparticle Physics, enquanto que o segundo artigo está em via de publicação no European Physical Journal, e nesse momento estou escrevendo um terceiro artigo sobre as perturbações no campo MDO que espero publicar em algum periódico de relevância até o final do ano.

Sem mais, é isso! Agradeço pela atenção.


1 – O  modelo recebe esse nome pois $\Lambda$ indica algum tipo de energia escura ou constante cosmológica, CDM indica a matéria escura fria (Cold Dark Matter, do inglês), ou seja, o modelo $\Lambda$CDM é um modelo cosmológico no qual a energia escura e matéria escura dominam o Universo.

2 – O mais preciso é que são as coordenadas projetivas da projeção estereográficas das coordenadas do cone de luz num espaço complexo, mas entenda como “projeções de pontos do espaço-tempo” que fica mais simples.

3 – Mais precisamente são autoespinores do operador paridade. Então o espinor MDO é autoespinor do operador conjugação de carga.
4 – Em teoria de grupos, o grupo de Lorentz é sub grupo do grupo de Poincaré.
quarta-feira, 1 de maio de 2019
Posted by Thiago V. M. Guimarães

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