Posted by : Thiago V. M. Guimarães quarta-feira, 14 de agosto de 2013

No texto passado falamos sobre simetrias nas leis da física. Nesse texto de hoje vamos tratar de uma leve introdução da relação entre partículas e campos do ponto de vista da Teoria Quântica de Campos (TQC). No próximo texto iremos relacionar os dois assuntos tratando da quebra espontânea de simetria e, nesse contexto, falaremos sobre dois mecanismo muito importantes, o de Goldstone e o de Higgs. Vou deixar os planos a curto prazo em formato de lista para que você possa acompanhar melhor:

1 – Simetrias
2 – Partículas e Campos
3 – Quebra Espontânea de Simetria.
4 – O que são Partículas Elementares?
5 – O que é Supersimetria?

Vamos ao que interessa.

No final do século XIX, o Lorde Kelvin¹ disse que o céu estava limpo, exceto por duas pequenas nuvens negras, se referindo a como estava a física da época. O problema é que essas duas pequenas nuvens negras eram nada mais do que a mecânica quântica e a teoria da relatividade. Em pouco tempo, essas duas nuvens negras cresceram e deram origem a uma enorme tempestade.

É justamente da junção de parte dessas nuvens que vamos falar aqui, mas não vou me focar em descrições de títulos, e sim dar explicações e depois atribuir títulos a elas.

Uma coisa que é comum de se ler por aí é sobre a incompatibilidade entre a mecânica quântica e a teoria relatividade. Mas isso não é totalmente verdade, existem vários pontos em que a mecânica quântica e a relatividade se encaixam muito bem e é disso que se trata a TQC². Desde a formulação de teorias modernas da física, os campos se fizeram presente, como na teoria do eletromagnetismo de Maxwell, por exemplo. Então veio Einstein, Minkowski, Lorentz, Poincaré e deram a física clássica uma nova abordagem, a abordagem relativística, que deu formas diferentes a nossa visão dos campos. A essa nova visão sobre os campos nós chamamos hoje de Teoria Clássica de Campos. Com a inserção da mecânica quântica nesse contexto, ou seja, com a quantização desses campos, obtivemos uma teoria bem abrangente e que mete o bedelho desde a cosmologia até a física da matéria condensada, que é a Teoria Quântica de Campos.



Mas qual a graça da TQC?

Essa teoria foi postulada pela primeira vez no final de 1920 e desenvolvida ao longo das décadas seguintes. E uma das principais coisas que a TQC fez, foi mudar nossa visão de mundo. Pois essa teoria nos fez ver um universo todo permeado por campos, que dão origem as partículas que formam nosso universo, colocando os campos em uma posição fundamental para compreendermos a natureza. Mas para ficar mais fácil nossa compreensão, para começar, vamos pensar apenas em elétrons.

Em todo o universo, há um campo chamado de “campo de elétrons”, que é um campo fermiônico que citamos no texto sobre Matéria e Energia. Um elétron propriamente dito não é um campo, mas sim uma vibração localizada em um campo. Na verdade, cada elétron no universo é uma vibração localizada em um único campo.

Os elétrons não são as únicas partículas que consistem em vibrações localizadas de um campo, na verdade todas as partículas são. Por exemplo, há um campo de fótons, um campo de quark up, um campo de glúons, um campo de múon, ou seja, há um campo para cada partícula conhecida. E, para todos eles, uma partícula é apenas uma vibração localizada do campo.

Esse é o caso também do bóson de Higgs. O campo de Higgs interage com as partículas fornecendo a sua massa, mas é difícil observar este campo diretamente. Por esse motivo temos que fornecer energia para esse campo, através de colisões de partículas, para lhe causar vibrações que são detectadas como partículas, no caso, o bóson de Higgs. Então, observar uma partícula em acelerador, por exemplo, é nada mais do criar e observar vibrações em determinados campos.

Essa idéia dá uma visão completamente diferente de como o mundo subatômico funciona. Pois existe uma grande variedade de diferentes campos permeando todos os lugares e o que nós pensamos que é uma partícula, na realidade é simplesmente uma vibração do campo ao qual ela é associada.

Isto tem consequências importantes sobre a forma como pensamos sobre como as partículas interagem. Por exemplo, considere um processo simples, onde dois elétrons são disparados um contra o outro e são espalhados. Na visão semi-clássica de dispersão, um elétron emite um fóton e depois recua. O fóton viaja para o outro elétron, que o “recebe” e também recua. Isto é como ter duas pessoas em cima de dois skates e um deles joga uma bola para o outro: o skate da pessoa que arremessa a bola se move para trás em resposta à massa da bola, assim como o skate da pessoa que apanha a bola.


Na TQC, uma vibração no campo do elétron provoca uma vibração no campo dos fótons. A vibração no campo do fóton transporta energia e momento para outra vibração no campo do elétron e é absorvida.

No famoso processo em que um fóton se converte em um elétron e um anti-elétron, as vibrações do campo dos fótons são transferidas para o campo do elétron e dois conjuntos de vibrações são configurados – um dos quais está de acordo com a vibração do elétron e o outro de acordo com a vibração do anti-elétron³.

Essa abordagem de campos e vibrações explica como o universo funciona em um nível profundo e fundamental. Estes campos abrangem todo o espaço. Alguns campos podem interagir com outros campos, enquanto que outros podem parecer inertes. O campo fóton pode interagir com os campos de partículas carregadas, mas não pode interagir com os campos dos glúons ou dos neutrinos. Por outro lado, um fóton pode interagir indiretamente com o campo do glúon, em primeiro lugar, fazendo vibrações nos quarks que, em seguida, fazem os glúons vibrar.

Campos quânticos são realmente uma forma bem diferente de ver o universo. Tudo, e eu quero dizer TUDO mesmo, é apenas uma consequência da vibração de muitos campos infinitamente grandes. O universo inteiro é feito por esses campos e essa coisa dá um grande nó na nossa cabeça.


No próximo texto, nós vamos tratar de como essas partículas “aparecem” na quebra espontânea de simetria nesse campos. Iremos falar um pouco sobre o mecanismo de Goldstone, em que partículas perdem sua massa e o mecanismo de Higgs, no qual partículas ganham massa. Caso você queira acompanhar bem o próximo texto aconselho que você dê uma estudada em “energia potencial” pode ser por material de ensino médio, ou por esse texto.


1 - Em The London, Edinburgh and Dublin Philosophical Magazine and Journal of Science, Series 6, volume 2, page 1 (1901) "Nineteenth-Century Clouds over the Dynamical Theory of Heat and Light."

2 - Note que o ponto problemático da junção entre Mecânica Quântica e Relatividade se dá no campo gravitacional, quando tentamos quantizar esse campos surgem infinitos na nossa teoria que estragam a nossa brincadeira. 

3 - É importante frisar que o campo do elétron é o mesmo do anti-elétron.


Veja mais:

- Lectures on Physics - Feynman (o física em 12 lições também serve)

{ 10 comentários ... Abandone toda a esperança aquele que aqui entrar }

  1. Gostei bastante.Não fazia ideia de que todas as partículas eram vibrações de campos.Agora quero saber como uma partícula ganha massa.Aguardando........

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  2. Esse texto foi realmente esclarecedor, parabéns!

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  3. Tenho uma dúvida:
    É sabido que a teoria de cordas nos diz que as partículas são diferentes estados de de simetria de uma mesma corda fundamental (pelo menos a teoria bosônica, até onde eu sei...).No livro de teoria quântica de campos do Steven Weinberg toma partículas segundo a definição de Wigner (Um "ponto" com determinadas simetrias, falando a grosso modo).
    Não consigo enxergar o porque dos campos serem mais fundamentais que as partículas,....visto que a descrição relativística+quântica de qualquer raio de centro de massas de um subsistema de dimensões desprezíveis (partícula) recai a uma descrição de campo (sendo esse não mais um objeto fundamental), e sim uma compatibilização da relatividade restrita com a simetria de Lorentz (devido ao cargo de observável agora depositado ao número de partículas).

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    1. Unknown, desculpe a demora em responder. Sobre teoria de cordas eu não posso te falar nada, pois não é minha área, eu trabalho no máximo com cordas cósmicas que é um defeito topológico. Sobre a relação partícula e campo - Como pareceu que você já sabe, você está meio que definindo (implicitamente) que uma partícula é uma representação irredutível do grupo de Poincaré, que é bem definida com as propriedades de massa e spin apenas. Porém essas exatas duas propriedades são advindas do campo, tanto a massa quanto o spin, e não o oposto. Então se uma partícula vai ter spin 0 e massa de tantos eV, é por causa do campo que a produz. Assim o campo acaba sendo mais fundamental.

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    2. Obrigado pela resposta Thiago Guimarães.
      "Porém essas exatas duas propriedades são advindas do campo, tanto a massa quanto o spin, e não o oposto.",....porque não o oposto ?

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    3. infelizmente sua pergunta recai no "porque a natureza é assim"... ou seja, não temos resposta. Mas essa coisa do que é mais fundamental é um tanto relativa, com a perdão do trocadilho, se você perguntar para alguns físicos em particular, eles te dirão que os spinores são de fato os objetos fundamentais do universo, mas aí o assunto da muito pano pra manga...

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  4. " É importante frisar que o campo do elétron é o mesmo do anti-elétron."
    Isso é válido para as demais partículas também? O campo de toda partícula é o mesmo que o da sua anti-partícula?

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