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Um passo de cada vez

Sobre estudantes de ciências que curtem a vibe científica, mas não querem se dedicar o mínimo para realmente entender algo.

Na minha recente experiência como professor universitário, tenho me deparado com diversos alunos que adoram fazer piadas "nerds", compartilham constantemente nas redes sociais referências aos seus estudos, passam a imagem (externa) de que são exímios estudantes daquele campo. Mas quando tentamos descobrir o que esses alunos realmente sabem, deixam muito a desejar.

A física é popular. Dá status. Quem sabe física ganha fama de sabichão. Pessoas inteligentes são Einsteins, Hawkings. Todo mundo quer ser fã de Cosmos, de Big Bang Theory. Saber sobre quântica, múltiplos universos, relatividade. Por um lado, isso é muito bom. Atrai atenção. Enquanto a vibe existir, jovens serão atraídos aos montes para os estudos de ciências. Desses, um bom número pode se tornar bons físicos, que farão contribuições impotantes para o avanço científico. Como eu acredito que conhecimento científico enriquece o indivíduo e a sociedade, não tenho como achar a popularidade da física algo ruim.

Num nível do deslumbramento científico, Tysons, Sagans, Hawkings e Gleisers fazem um trabalho muito bom. Fazem com que as pessoas leigas em ciência admirem o campo, mesmo que não entendam muita coisa. A divulgação tem esse papel também.

O que noto, no entanto, é que alunos parecem não querer passar desse nível amador. Querem falar de galáxias, compartilhar vídeos sobre buracos negros, falar os nomes das disciplinas legais que cursarão no próximo semestre, querem se sentir parte do show. Mas não dedicam o mínimo do tempo suficiente para o básico. Cálculo e as físicas básicas, por exemplo. Não dá pra saber sobre relatividade geral sem saber o que são vetores direito. Não dá pra falar de quântica se não souber o que é a equação de onda. E o que é uma equação diferencial. Muitos querem saber falar algo sobre o Bóson de Higgs e o LHC sem saber descrever o movimento de um bloco preso a uma mola, ou um lançamento de um foguete.

"Ah, mas essa física é chata", alguns podem dizer. Não, amigo. Se você acha isso, então você acha física, como um todo, chata. O movimento de um projétil por exemplo, por mais bobo que possa parecer num primeiro momento, carrega tanta reflexão sobre a natureza que se torna absolutamente fantástico. O movimento pode ser decomposto em direções independentes (horizontal e vertical), e cada componente é descrita por equações extremamente simples. Pode ser descrito utilizando o conceito de força ou de energia, e as duas descrições, aparentemente bem diferentes, são equivalentes para prever toda a trajetória futura do projétil. Podemos ir mais além, e procurar as simetrias do fenômeno e interpretar essas simetrias como leis de conservação de algumas grandezas físicas.

Sem compreender esses conceitos para eventos cotidianos (pêndulos, projéteis, colisão de bolas de bilhar, etc) não há como entender coisas mais avançadas. Movimento de galáxias, buracos-negros e todas essas coisas hype não pertencem a uma ciência diferente. É física, é a mesma física. E não há como compreendê-los sem passar pelo básico. Assim como não há como querer aprender gramática formal sem conhecer a escrita, ou saber cálculo diferencial sem saber somar.

Então, jovens estudantes de física e ciências em geral, se vocês querem a hype e só a hype, nem percam tempo. Há diversos sites e livros divertidos, que te darão respostas prontas e mastigadas sobre todas as coisas fantásticas que são estudadas por aí. Você não vai entender muito bem, mas vai se divertir, eu garanto. Mas se você quer saber não só sobre buracos-de-minhoca e big-bang, não só pagar de nerd, mas quer saber sobre a física que descreve a natureza como um todo, do menor ao maior, saber explicar tanto sobre como o Sol produz luz, como um arco-íris se forma, como uma bola quica, como a água esquenta, e como tudo isso está relacionado de maneira simples e bela, então você vai precisar se dedicar. Se dedicar muito mais do que o tempo de um episódio de Cosmos. Vai precisar ler muito mais do que uma Scientific American, e vai precisar principalmente fazer e refazer aqueles exercícios chatos que seu professor passou, até que se tornem belos e todos os exercícios e exemplos de todos os livros estudados de assuntos diferentes se tornem parte de um único grande panorama, o despertar de uma compreensão ampla da Natureza.
domingo, 7 de junho de 2015
Posted by Daniel Vieira

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