Posted by : Daniel Vieira quarta-feira, 7 de outubro de 2015

É muito comum, até mesmo no ensino médio, escutarmos algo do tipo "A Força Nuclear Forte é a responsável pelo poder destrutivo da bomba nuclear". Ao mesmo tempo, alguns de vocês podem ter ouvido falar que a mesma Força Nuclear Forte (vou chamar de FNF a partir de agora) é responsável por manter os prótons unidos dentro dos núcleos atômicos, ou ainda que a FNF é a força responsável por manter os quarks, partículas que compõem os prótons e nêutrons, unidos.

Essas são frases que aparecem eventualmente, mas o que realmente elas tem a ver? O que a união dos quarks, que só foram descobertos na década de 60, tem a ver com a bomba atômica, utilizada no fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945?

Este texto pretende esclarecer essas coisas. Pretendo ser acessível a todos que entendem a noção de energia mecânica e energia potencial, isto é, que não dormiram em todas as aulas de física do ensino médio. (Se você acha que "energia" é só uma palavra bacana para "good vibes", pode sofrer um bocado para entender as coisas aqui.)

(Uma dica para seguir esse texto, principalmente quem está tendo um primeiro contato com isso, é tomar algumas anotações, como dos nomes das partículas que eu for apresentando, e suas propriedades.)

De onde vem a energia da bomba atômica? Grosso modo, da energia potencial armazenada nos núcleos pesados e instáveis de elementos como o Urânio e o Plutônio, que são quebrados (pela fissão) para liberar essa energia acumulada. Como vocês podem lembrar, a diferentes sistemas estão associados uma energia potencial. Podemos falar da energia potencial elástica de uma mola, da potencial gravitacional de um objeto atraído pela Terra ou da energia potencial elétrica de dois átomos numa molécula do gás Hidrogênio. Cada uma dessas formas de energia estão associadas a uma força, respectivamente a força elástica de uma mola, a força gravitacional e a força eletrostática.

(Embora não seja tão relevante para a discussão que se seguirá, o leitor interessado pode perceber que cada uma dessas forças surge para reduzir a energia potencial associada. Por exemplo, a força gravitacional puxa os objetos para baixo, onde a energia potencial gravitacional é menor.)

A energia potencial armazenada nos núcleos pesados que é liberada na fissão nuclear não vem da força nuclear, mas da (esperem um minutinho) força eletrostática! A FNF é responsável não pela quebra do núcleo, mas para mantê-lo unido em primeiro lugar!

Funciona assim. A FNF é sempre atrativa, e é a mesma para a atração entre prótons e prótons (pp), prótons e nêutrons (pn) ou nêutrons e nêutrons (nn). Isto é, se desconsiderarmos a força elétrica, a atração sentida por pp, pn ou nn é a mesma. A FNF é tão igual que é comum quando estamos falando da FNF nos referirmos aos prótons e nêutrons como se fossem a mesma coisa, um núcleon. Ela também é muito forte, a ponto de conseguir segurar dois prótons, que se repelem fortemente pois são partículas de carga positiva, a uma distância de aproximadamente um fentômetro (ou 0,000000000000001 metro!).

Se vocês olharem a tabela periódica, vão ver que quanto maior o número de prótons, maior a proporção de nêutrons para prótons ele deve ter. Lembrem-se, os prótons se repelem pela força elétrica, mas não fazem nada com nêutrons. Só que os nêutrons atraem nêutrons e prótons pela força forte. Então quanto mais nêutrons você tem, mais coeso fica o seu núcleo atômico.

Pegue por exemplo o núcleo de oxigênio, que possui 8 prótons. Se só houvessem prótons, mesmo com a atração da FNF entre eles isso não seria suficiente para conter a forte repulsão eletrostática. Você adiciona nêutrons à gosto, até que seu oxigênio se torne estável, isto é, até que os nêutrons que você adiciona aumentem a FNF até que consigam conter a repulsão eletrostática dos prótons. E pronto, você tem seu núcleo estável. Para o oxigênio esse número mínimo é de 8 nêutrons. Menos que isso o núcleo dá um jeito de se transformar em algo com uma energia elétrica de repulsão menor. Por exemplo, se você coloca somente 4 núcleos para tentar segurar os 8 prótons do oxigênio, ele não aguenta e joga alguns desses prótons fora, se transformando num núcleo de carbono. Além do número 8, ainda é possível adicionar mais alguns nêutrons à gosto, esses são os vários isótopos do oxigênio.

Mas tem um problema: a FNF é uma força de curto alcance. Dois prótons ou nêutrons a uma distância maior do que o tamanho dos núcleos simplesmente não sentem nada de Força Nuclear. Por esse motivo não presenciamos efeitos macroscópicos da FNF, assim como acontece com a gravitacional ou eletromagnética. E é justamente por isso que a fissão ocorre. Quanto maior o núcleo atômico, mais difícil fica para a FNF agir segurando tudo. Átomos muito grandes, como o Urânio ou o Plutônio, que possuem mais de 200 núcleons amontoados, com algo em torno de 90 prótons, são muito difíceis de manter juntos. Nesses átomos grandões, nem com um bocado de nêutrons é possível segurar os prótons para sempre. Pois como o núcleo é muito grande, os nêutrons só sentem a atração de seus vizinhos mais próximos. Como não dá pra segurar esses núcleos grandões, uma hora eles se quebram em núcleos menores.



No processo de fissão normalmente são emitidos alguns nêutrons livres, mostrados na figura acima pelas bolinhas de cor cinza. Uma bomba ou uma usina nuclear utiliza uma reação em cadeia, com esses nêutrons acertando outros núcleos e acelerando o processo de fissão. A energia liberada é a energia potencial elétrica de repulsão, que estava sendo contida pela FNF.

 

Intermezzo: As partículas mediadoras

Com o avanço da mecânica quântica, em particular a teoria quântica de campos (TQC), se passou a descrever a interação entre partículas pela troca de outras partículas, chamadas mediadoras. A ideia é bem simples: já se descrevia as interações através de campos. Por exemplo, dois elétrons interagem porque um elétron interage com o campo eletromagnético produzido pelo outro. Dois planetas se atraem porque um interage com o campo gravitacional do outro. Mas no começo do século passado descobriu-se que o campo eletromagnético tinha uma unidade mínima, o fóton. Então é só seguir a sequência natural:

"Carga elétrica produz uma força elétrica em outra carga"
Carga → Carga

foi aperfeiçoado para
"Carga produz campo elétrico ao seu redor, e afeta cargas que entram nesse campo"
Carga → Campo Elétrico → Carga

que foi aperfeiçoado para
"Carga produz um bocado de fótons ao seu redor, que afeta outras cargas quando elas colidem com esses fótons"
Carga → Fótons → Carga


A próxima tarefa era generalizar (isso é, tornar geral) essa ideia para todas as forças. Se especulou qual seria a partícula correspondente à Força Nuclear Forte. Em 1935 o físico japonês Yukawa fez previsões sobre qual seria a massa e as propriedades dessa partícula, e em 1947 ela foi detectada, e foi chamada de píon (entre os descobridores, o físico brasileiro César Lattes).

Ou seja, a visão de partículas mediadoras das forças funcionava muito bem, tanto para a força eletromagnética como para a Força Nuclear Forte.

 

E os quarks?

Na década de 60 outras partículas, parecidas com os prótons e nêutrons, mas mais pesadas, estavam aparecendo nos experimentos. Deram o nome de bárions para todas essas partículas. Além disso, outras partículas além do píon, chamadas coletivamente de mésons, mais leves que os prótons e nêutrons mas mais pesadas que os elétrons também estavam aparecendo. Resumindo um grande episódio que daria um livro, a conclusão que o pessoal da época chegou foi que os bárions e mésons eram compostos de partículas ainda menores, e deram o nome de quarks.

Para os quarks ficarem presos dentro dos bárions e mésons também há uma força atrativa entre os vários quarks. Além disso, assim como na força eletromagnética as cargas podem ser positivas ou negativas, e duas cargas iguais de sinais opostos dão algo neutro, os quarks também possuem um tipo diferente de "carga" associadas à essa força atrativa, que foi chamada de cor (foi só o nome que deram. Podia chamar cheiro, vibe, blorgh, ou qualquer outra coisa, mas ficou cor). Os quarks podem vir em três cores, e três quarks de cores diferentes são neutros (de forma parecida com a combinação das três cores-luz primárias para dar branco - por isso o nome cor pegou). Ainda, como todas as partículas possuem suas antipartículas correspondentes, os antiquarks também possuem anti-cores, que combinado à cor correspondente também dá zero.

Dentro de um próton ou um nêutron existem quarks das três cores diferentes, o que faz o próton neutro. Os mésons possuem um quark e um antiquark, também dando cor neutra. Uma vez neutro, não há mais essa força de atração entre os quarks de diferentes cores. Uma outra propriedade dessa força entre os quarks é que nunca é possível ter um quark solitário ou uma combinação de quarks com cor que não seja neutra viajando por aí. Sempre será algo neutro.

É aqui que entra a confusão. Essa força entre os quarks de diferentes cores também recebeu o nome de Força Forte. Mas essa seria a "fundamental" enquanto a outra, entre prótons e nêutrons, seria "residual", um efeito indireto da primeira. Os prótons e nêutrons não possuem cor, são neutros, e não sentem a mesma força que os quarks sentem entre si.

Essa parte pode ser bem confusa, então vou com calma. Dentro dos prótons e nêutrons existem quarks. Esses quarks tem um tipo de "carga" que só eles tem (elétrons por exemplo não possuem cor), e essa carga diferente provoca um tipo de força atrativa entre as diferentes forças, extremamente forte. A partícula mediadora dessa força entre quarks recebeu o nome de glúon, do inglês glue, pois atua como uma cola dos quarks. Os glúons possuem duas cores ao mesmo tempo. Um quark "azul" e um quark "verde" trocam um glúon de cores "azul+verde".

Agora, como essa força entre quarks está relacionada à força entre prótons e nêutrons, mediada pelos píons? Eventualmente, em processos aleatórios, um par quark-antiquark pode surgir devido à grande confusão dentro de um próton ou nêutron. Esse par é um píon, que por ser neutro pode viajar até o outro próton ou nêutron, e lá se recombina com os quarks, produzindo nessa troca uma força de atração.

Ou seja, eventualmente um píon surge no meio da bagunça de quarks e glúons dentro dos prótons e nêutrons. Esse píon, ao se propagar de um próton ou nêutron a outro, provoca um efeito de atração, que é a Força Forte residual. Note que ela só ocorre porque os quarks interagem fortemente devido à Força Forte fundamental, cuja carga é a cor.

Para resumir: A energia nuclear vem da forte repulsão gerada pelos núcleos atômicos grandes. Essa repulsão é segurada pela FNF, mas em algum momento falha e permite a liberação da energia elétrica de repulsão em outras formas de energia, como radiação e energia térmica. Essa FNF que segura o núcleo é produzida pela troca de píons entre os prótons e nêutrons, mas esses píons surgem como um efeito secundário de uma outra força no interior dos prótons e nêutrons, uma força de atração entre quarks provocadas por um tipo de carga chamada cor.

É assim que a grande e temida explosão nuclear é provocada, em última instância, pela interação entre pequenas partículas menores que 1 fentômetro.

{ 7 comentários ... Abandone toda a esperança aquele que aqui entrar }

  1. Magnífico, ótimo texto! Pena que a totalidade das mentes brasileiras prefiram coisas fúteis à acumular conhecimento!

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  2. Certamente eu não dormi na aula, mas acho que o professor durmiu.

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  3. Ótimo texto para curiosos.
    Muito acessível e que depende sempre do esforço à compreensão de conceitos físicos e absorver mais ideias.

    Sou graduando em engenharia elétrica e sou fascinado por física!

    Parabéns pelo trabalho!

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  4. Excelente texto e bastante acessível a curiosos por física moderna.
    Depende muito da iniciativa própria. Esse texto já abre um leque de oportunidades de estudo.

    Parabéns a quem produziu o texto também!

    Sou graduando em engenharia elétrica e fissurado em física!


    Acredito que ainda existam mentes interessadas em conhecimento em nosso país...

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  5. Excelente texto, só fiquei com uma dúvida. No texto você disse: "Dentro de um próton ou um nêutron existem quarks das três cores diferentes, o que faz o próton neutro. Os mésons possuem um quark e um antiquark, também dando cor neutra.Uma vez neutro, não há mais essa força de atração entre os quarks de diferentes cores. Uma outra propriedade dessa força entre os quarks é que nunca é possível ter um quark solitário ou uma combinação de quarks com cor que não seja neutra viajando por aí. Sempre será algo neutro." Nesse caso, o quark e o antiquark não deveriam se anular, pois uma matéria e sua antimatéria não se aniquilam?

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    1. Oi Raphael. Existem dois tipos de mésons: aqueles formados por pares quark-antiquark de tipos diferentes e os formados por pares do mesmo tipo. Dos tipos diferentes não se aniquilam (não daquela forma que estamos acostumados, mas sofrem um outro tipo de "aniquilação" -ou simplesmente "decaimento" - mais fraca, devido à força nuclear fraca). Dos tipos iguais se aniquilam sim, mas podem sobreviver um certo tempo.
      Um exemplo parecido, que não envolve quarks, é o positrônio. Sabemos que o elétron e sua anti-partícula, o pósitron, se aniquilam. Mas às vezes pode acontecer deles não se aniquilarem imediatamente mas formarem um estado estável (por um tempo). Esse par elétron + antielétrion recebe o nome de positrônio.

      Se você verificar o tempo de decaimento dos mésons, aqueles que são formados por quark+antiquark de tipos diferentes demoram 1 trilhão de vezes mais tempo que os formados por tipos iguais, justamente por causa da possibilidade de aniquilação desses últimos.

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  6. Sou graduando em engenharia civil. ótimo texto, com uma linguagem acessível e clara.

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