Archive for 2015

Um monstro que pega o seu dinheiro, o meu trabalho e ainda prejudica a ciência

Em um dos primeiros textos que escrevi para esse blog (Ciência fastfood) eu abordei um assunto meio absurdo, que é a exploração do trabalho do cientista por sanguessugas como a Elsevier, porém o foco do texto foi voltado para Salami-Science. Hoje eu quero falar sobre como o monopólio sobre a publicação de papers afeta a todos nós, desde os países mais pobres até os mais ricos.

Como já abordei antes, um cientista precisa publicar papers para comunicar suas descobertas e caminhar em sua carreira, portanto aquele que não pública em grandes periódicos ou faz isso de forma escassa é um ninguém. Então existe um grande desespero para se ter um bom número de publicações e, por si só, isso já não está sendo uma coisa boa. Porém nada está tão ruim que não possa piorar, por trás dessa linha de produção em massa de artigos que os cientistas do mundo todo estão imersos, existe uma grande corporação chamada Elsevier, que sozinha possui quase 30% de todo mercado de publicações acadêmicas do planeta (claro que ela não é a única, mas será o saco de pancada da vez e mais abaixo ficará claro o porquê).

Para se entender a relação entre você, eu e a Elsevier, vamos a essa história real:

Eu trabalho na Unesp que, junto com a Unicamp e USP, recebe 10% do ICMS arrecadado pelo estado de São Paulo, além disso sou financiado por um órgão federal que, claramente, é mantido com dinheiro da União. Ou seja, se você é do estado de São Paulo você paga duas vezes pela minha pesquisa que será publicada em um paper no periódico Physics Letter B, da Elsevier. Geralmente funciona assim, se o periódico tem interesse na pesquisa você publica de "graça", senão há a possibilidade de você pagar por página (algo que é muito caro). Supondo que eles aceitem meu paper financiado pelo seu dinheiro, ele será publicado e o mundo todo terá acesso a ele, com isso pessoas de países pobres e ricos, você e seus filhos poderão desfrutar do meu trabalho acadêmico...... NÃO! NÃO MESMO!.... muito longe disso. Depois de publicado, esses periódicos cobram uma assinatura anual que no total custa mais de 5 milhões ao ano, tornando-os altamente restritos a apenas quem pode pagar, assim nem os países pobres, nem os países ricos, nem você que financiou o trabalho e nem mesmo eu que o fiz terei acesso sem pagar essa bagatela (ou 35 dólares por artigo). Sim é uma relação de amensalismo absurda, eu trabalho, você paga e quem fica com os lucros é a Elsevier e não há repasse de nenhum centavo para mim ou para a instituição na qual trabalho.

Devido ao grande valor cobrado pela Elsevier (que subiu 145% nos últimos 6 anos), grandes instituições como Harvard alegaram que a situação está insustentável e que o valor "extorquido" não poderia ser pago. Com isso começou uma mobilização de boicote a Elsevier e um grande incetivo aos pesquisadores publicarem em periódicos de acesso aberto.

Essa postura mercenária das grandes publishers afeta direta e negativamente o desenvolvimento científico não apenas em países ricos, mas principalmente em países pobres, uma vez que cria verdadeiras barreiras econômicas e intelectuais entre esses e a produção científica mundial.  Os efeitos também são sentidos pelo mercado de publicações e financiamento acadêmico, uma vez que pequenas empresas são esmagadas por esses monopólios (veja esse caso: Save Ashgate Publishing).

Ilustração: Auke Herrema.
O que temos até aqui é um cenário absurdo; empresas gerando bilhões ao ano com trabalho financiado por instituições de ensino (leia: seu dinheiro), as quais não recebem um centavo desse montante que ajudam a agerar e ainda precisam pagar para se ter acesso aos trabalhos publicados nesses periódicos. A realidade é que estamos engordando esse porco com nosso suor e dinheiro para apenas as grandes publishers comerem.

Nos últimos anos surgiram algumas maneiras de agilizar, facilitar, baratear e até burlar o processo de publicação e disseminação de trabalhos científicos, como o caso do banco de pré-prints Arxivs. Há também uma ferramenta mais democrática ainda que estudantes e professores do mundo todo utilizam, que é a Library Genesis. Sim, ela infringe leis internacionais de copyright de empresas como Elsevier por disponibilizar gratuitamente conhecimento/informação para qualquer um que precise dele, no caso; eu, você, nossos irmãos, professores, um cara lá dos EUA ou um estudante do Zimbábue. Esse é um verdadeiro buraco no muro criado por essas empresas parasitas. Se quiser comparar, é um caso mais delicado do que as empresas de cinema e música, pois essas sim arcam com o alto custo da produção de seus produtos, diferente dessas grandes publishers que faturam perto de 50% do montante gerado e não pagam um centavo pros verdadeiros produtores.

Acontece que agora o nosso bode expiatório, que compactua com o SOPA e PIPA,  quer tapar esse buraco no muro, alegando um prejuízo de mais 1 de bilhão de dólares.  Em uma ação movida contra o a Sci-Hub, LibGen e Bookfi, a Elsevier conseguiu o bloqueio desses sites mostrando sua postura de coibir o acesso público a informação/educação. Embora seja direito de uma empresa reivindicar seus direitos autorais, cabe a pergunta: é direito dela dominar o mercado e criar lobby político, mercadológico e acadêmico para construir barreiras econômicas e restringir a disseminação de informação e conhecimento científico mundial?

Claramente, para mim a resposta é um grande NÃO, pois se fosse eu nem perderia tempo escrevendo um blog que nem propaganda tem. Mas para o juiz que julgou o caso:

"a simples disponibilização gratuita de conteúdo com copyright em um website estrangeiro é um desserviço ao interesse público." 

Baixar um livro/artigo para fins educacionais é um desserviço ao interesse público apenas se "público" for o novo nome fantasia da Elsevier. E mais, paira-me uma dúvida sobre o cálculo aproximado do prejuízo de 1 bilhão, uma que vez que se essa estimativa foi feita sobre os títulos baixados dos sites em questão, esse valor se torna totalmente virtual, já que o simples download não indica que haveria a real necessidade de compra, principalmente tendo em vista as práticas abusivas de preços das próprias empresas.


Como você pode ver o cenário atual é um tanto insustentável, mas há diversas saídas, a primeira e mais óbvia (porém pouco realista) é a dessas empresas tomarem consciência e reduzirem seus altos e injustificáveis valores, outra forma óbvia é um boicote à Elsevier e a valorização do periódicos de Acesso Aberto... mas o que acontecerá, só o tempo irá dizer e nos cabe torcer para que sites como a LibGen e Sci-Hub continuem por mais um longo tempo.


Deixo aqui o pequeno e singelo apoio desse blog ao LibGen e Sci-Hub. Quer ler mais sobre isso? dá uma olhada aqui.
domingo, 6 de dezembro de 2015
Posted by Thiago V. M. Guimarães

A Coisa que veio do Buraco Negro

(Nota rápida:) O hype da semana nessa tal de internet é sobre "a coisa que escapou do buraco negro pela primeira vez". O que parece, em primeira vista, um conto do Lovecraft, com uma criatura cósmica saindo de um buraco negro para destruir o universo, é na verdade só mais uma cagada de sites sensacionalistas. O site viral Thread (o nome já diz tudo) é a  fonte primária da confusão, lá é dito que pela primeira vez na história Azathoth algo saiu de um Buraco Negro, mas lendo o texto você já começa a ver que não é bem sim, como sempre. Por esse motivo, vou aproveitar o gancho e falar mais um pouco sobre buracos negros e o que são essas coisas que "podem" sair deles.


There are black zones of shadow close to our daily paths, and now and then some evil soul breaks a passage through. When that happens, the man who knows must strike before reckoning the consequences.”
― H.P. Lovecraft, The Thing on the Doorstep

Vou dividir o assunto em 3 pontos;

1 - Como buracos negros absorvem matéria e o que pode escapar dele.

Nós já discutimos anteriormente sobre a geometria do buraco negro nesse texto aqui, e vimos que tudo que cruza o horizonte de eventos não pode mais voltar, já que aquela região é o que chamamos de "superfície aprisionadora fechada", cuja geometria é tão estranha que, uma vez lá dentro, você pode correr em direção a borda do horizonte de eventos e na verdade estará correndo mais ainda para seu interior. Essa característica pode ser usada para afirmar que NADA sai de dentro de um buraco negro. Porém há a possibilidade desses corpos emitirem radiação eletromagnética, como raios-x, e ainda a famigerada radiação Hawking, que falaremos no próximo tópico.

A emissão de raio-x² em linhas gerais é relativamente fácil de ser entendida. Buracos negros podem possuir discos de matéria circundante, o qual está sendo acelerado para dentro de seu horizonte de eventos. A medida que essa matéria vai se aproximando da região do horizonte de eventos sua velocidade vai aumentando e com isso a fricção entre as partículas que compõem esse disco também aumenta, fazendo com que sua temperatura se eleve ao ponto da matéria emitir raios-x antes de cruzar o horizonte de eventos.

Como já discutimos no outro texto, fenômenos gravitacionais intensos só são observados em regiões muito próximas do horizonte de evento (considerando os efeitos de maré), sendo que antes dessa região o buraco negro se comporta como um objeto qualquer. Tal fato permite que a radiação eletromagnética, no caso os raios-x emitidos, não seja capturada pelo buraco negro. NOTE QUE não tem nenhuma emissão de raio-x de dentro do Buraco Negro, o raio-x emitido vem do disco de matéria que o circunda (!). Então continuamos com a máxima: qualquer coisa que tenha cruzado o Horizonte de eventos não pode mais voltar.    

2 - A radiação Hawking.

Toda vez que ouvimos falar que nada sai do buraco negro, logo vem a pergunta: "Mas e a radiação Hawking que faz com que o buraco negro evapore?"

Quem nos diz (e mostra) que nada pode escapar do buraco negro é a relatividade geral, e de certa forma ela é bem convincente nisso, o que nos leva a pensar que qualquer informação que tenha cruzado o horizonte de eventos está perdida para sempre. Porém, nossa querida amiga Mecânica Quântica diz que isso não pode acontecer, ou seja, a informação tem que ser de alguma forma conservada. Ao invés de colocarmos as duas para brigar numa piscina de gel pra ver quem ganha, nós somos obrigados a tentar conciliar as duas, igual a psicóloga do casos de família

Na década de 70, Hawking mostrou que em campos gravitacionais muito intensos, como aqueles na borda do horizonte de eventos, era possível criar um par partícula-antipartícula. Esses pares devem sempre respeitar a lei de conservação de momento e energia, fato esse que nos diz, respectivamente, que:

a - quando uma partícula cai no Buraco Negro a outra é lançada na direção oposta;
b - como a energia da partícula lançada é positiva, a partícula que cai no buraco negro possui energia negativa. 

Essa partícula, emitida da região do horizonte de eventos e não de dentro do buraco negro, carrega informações como massa, carga e momento angular, assim a informação não é perdida (a ela damos o nome de "radiação Hawking"). Por sua vez a partícula de energia negativa, cujo tempo de vida é bem curto, que cai para dentro do buraco negro faz com que sua massa diminua, levando a sua evaporação, uma vez que não fazemos distinção entre massa e energia em Relatividade. (Não vou entrar em paradoxos de informação nesse texto).

Então em ambos os casos de emissão que vimos, tanto o de raio-x quanto o de radiação Hawking, não temos nada saindo literalmente de dentro do Buraco Negro, respeitando assim a relatividade geral. 

3 - O que você deve entender da notícia

Primeiramente ignore as notícias que dizem que algo saiu de um buraco negro, pois como já falamos acima, isso NUNCA acontece. A nota original sobre o assunto emitida pela NASA está traduzida aqui, nela podemos ver que nada mais é do que uma PRIMEIRA boa  observação de uma grande emissão de raio-x provinda de uma região composta por partículas altamente energéticas em torno do buraco negro, chamada de corona. Ou seja, é o assunto do tópico 1 desse texto  e como não sou especialista nisso, me calo por aqui, mas você pode ler mais nos textos linkados nesse último parágrafo.

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1 - O nome do texto é uma referência ao conto " A cor que veio do espaço".
2 - Não apenas raio-x, mas radiação eletromagnética em geral.

Referências:

[1] G. E. Romero, Introduction to black holes.arXiv:0805.2082v1 [astro-ph] 14May 2008.


[2] NASA  (linkado no texto) .

[3] R. Narayan. From X-ray Binaries to Quasars: Black Holes on All Mass Scales.

[4] C. Skipper, Fast Spectral Variability in the X-ray Emission of Accreting Black Holes.

[5] D. J. Raine, E. G. Thomas, Black Holes: An Introduction.
domingo, 8 de novembro de 2015
Posted by Thiago V. M. Guimarães

O que é Gravitação Quântica?

O texto a seguir é de autoria de Gabriela Meyer, aluna do curso de licenciatura em Física da Universidade Católica de Brasília, e foi elaborado como parte de seu trabalho de conclusão de curso. Seu trabalho visa entre outras coisas estudar a eficácia de textos de divulgação científica como um primeiro contato a assuntos de grande complexidade em física, e o tema "gravitação quântica" foi escolhido com esse propósito.
O público-alvo é o estudante de cursos de física, com um bom conhecimento da física básica do ensino médio e já com um interesse em ciências naturais. Que por acaso também é o público-alvo deste blog. Por isso decidi postar aqui.
Não houve a pretensão de ser um texto escrito por especialista do tema, e esse ponto também é material de estudo: até que ponto não-especialistas podem (ou devem) se aventurar na divulgação científica de temas complicados? Essa tentativa é bem vista?
Peço aos leitores, especialistas ou não, que comentem sobre esses pontos, se assim desejarem. Adianto que seus comentários podem eventualmente servir para o estudo.

O que é Gravitação Quântica?


Por Gabriela Meyer

A gravitação tem exercido fascínio desde os tempos mais antigos. Aristóteles por exemplo, acreditava que a força gravitacional tinha relação com o lugar natural dos objetos. Algum desses objetos possuía como lugar natural o centro da Terra, por isso eles caiam em direção a ela. Para outros objetos, como os gases, o lugar natural seria a esfera celeste, assim eles seriam atraídos para o céu ou para a lua. A velocidade para queda ou subida desses corpos era proporcional à massa do próprio objeto.

Passados alguns séculos de desenvolvimento teórico-científico a compreensão da humanidade foi ampliada através da metodologia científica de Galileu Galilei e Renè Descartes, aplicadas por Isaac Newton nos meados do século XVII. Em 1900 alguns físicos pensavam que a física já estava completa, faltando apenas alguns empecilhos. Kelvin até disse para os estudantes não se dedicassem a física, pois não havia mais nada a ser descoberto. Esses empecilhos desencadearam a crise científica do século XIX. Esses problemas foram, os resultados negativos de Michelson e Morley (medir a velocidade da Terra através do éter) e a dificuldade de explicar a propagação de energia de um corpo negro. Esses empecilhos foram o pontapé inicial para duas novas teorias do século XX, a teoria da relatividade e a teoria quântica. Essas teorias mudaram a visão que tínhamos do universo e, no caso desse texto, como os cientistas começaram a ver e a explicar a força gravitacional que era completamente diferente das teorias existentes.

Albert Einstein ao publicar a teoria da relatividade geral, em 1915, descarta a ideia de forças a distância e propõe um modelo teórico baseado na geometria do espaço-tempo para explicar a curvatura da luz e o movimento anômalo do periélio de mercúrio. Em seu trabalho Einstein afirma que os sistemas acelerados e os sistemas submetidos a campos gravitacionais são fisicamente equivalentes, conhecido como o Princípio da Equivalência. Em outras palavras a Teoria da Relatividade Geral modela a gravidade como uma curvatura no espaço-tempo afetando o movimento das massas.
Logo depois, surge a física quântica para tentar explicar em nível atômico como se daria a força gravitacional, levando em consideração que ela já explicava três das quatro forças fundamentais (eletromagnética, força fraca e força forte). Porém o que parecia ser simples se tornou um dos maiores desafios da física moderna.

Abaixo, serão apresentadas algumas razões pelas quais tanto as teorias da relatividade geral quanto da mecânica quântica necessitaram de uma nova modelagem, tendo em vista a tendência de unificação entre todos os ramos da física moderna e clássica.

Incompatibilidade entre a relatividade geral e mecânica quântica

Um problema surge em relação a ambas as teorias. Isoladamente são aplicáveis em seus contextos e trazem novos resultados, mas quando confrontadas de maneira geral entre si surgem paradoxos em suas bases fundamentais. Até a atualidade nenhum experimento científico de fato derrubou as afirmações propostas por Einstein, da limitação máxima de velocidade ser a da luz prevista em seus postulados de 1905. Já a mecânica quântica colaborou para o desenvolvimento de novos materiais que só foi possível através da explicação do comportamento atômico em suas bases de quantização de energia e momento. Os novos materiais como os semicondutores contribuíram para a evolução científico-tecnológica após 1950, confirmando o poder agregado ao modelo quântico.

Entretanto os problemas de compatibilidade surgiram com o paradoxo EPR proposto em 1935 por Einstein, Podolsky e Rosen, em que afirmavam a incapacidade de haver trocas instantâneas de informações referentes a estados quânticos justamente pela limitação da velocidade da luz.

Existem algumas maneiras de se lidar com o problema da quantização da gravidade, cada qual com seus problemas e consequências, a seguir serão apesentadas duas teorias que tentam unificar a Relatividade Geral com a mecânica quântica tornando-as compatíveis entre si.

Teoria das cordas

Quando quantizamos a gravitação da mesma forma que fazemos com os campos que geram as outras forças fundamentais, obtemos quantidades infinitas que não podemos interpretar ao certo. Este é o problema da renomarlização de uma teoria de campos. A renomarlização é uma ferramenta matemática usada para sanar os infinitos que aparecem em cálculos envolvendo esses campos quantizados. O problema é que esse artifício não pode ser utilizado em campos gravitacionais.

Antes do surgimento da Física Quântica, duas forças fundamentais da natureza eram conhecidas, a força gravitacional e a força eletromagnética. Logo após seu surgimento duas novas forças apareceram, a força nuclear forte e força nuclear fraca, que agem no núcleo do átomo. Dessas forças fundamentais três eram renormalizáveis e descritas pela física quântica, porém, como foi dito anteriormente, a força gravitacional ficava de fora dessa renomarlização.

A teoria das cordas surgiu meio que por acidente. Inicialmente essa teoria foi utilizada ao tentar explicar as interações nucleares fortes, levando em consideração que a teoria quântica de campos,  da época não a conseguia explicar de forma satisfatória.

A teoria de cordas mostrou-se ser suficiente ao tentar unificar todas as interações elementares, já que ela também levava em consideração a gravidade como sendo iguais aos demais campos de partículas. Ela pode ser explicada de uma maneira simples: “as entidades fundamentais da natureza, partículas constituintes da matéria e das interações, não são objetos pontuais, mas fazem parte de pequenas cordas vibrando no espaço-tempo” (ABDALLA, 2005, p.150).

A corda fundamental, de onde todas as partículas aparecem como modos de vibração, deve ser muito pequena, pois ela não seria observada de forma direta. O comprimento da corda seria a mesma da ordem do comprimento de Planck. Sua existência só poderia ser percebida através de experimentos que testam comprimentos pequenos, com energias muito grandes, porém com a tecnologia atual não seria possível detectar esses efeitos.

As cordas se classificam de duas maneiras: cordas fechadas, onde as extremidades estão unidas e cordas abertas, que não possuem as extremidades unidas. As cordas fechadas, por não possuem pontos extremos, estão mais livres que as cordas abertas para se locomoverem no espaço.
Na teoria das cordas as partículas são interpretadas como modos de vibração de cordas unidimensionais, e para que essa teoria seja válida, o universo deveria deixar de ser composto por quatro dimensões (comprimento, largura, altura, e tempo e passar a ser composto por 10 dimensões que interagiriam entre si. Essas seis dimensões extras estariam enroladas sobre si mesmas, com distâncias menores que o comprimento de Planck, e, portanto, não poderiam ser observadas ou notadas como as outras quatro dimensões.

No mundo quântico é necessário que as cordas vibrem de maneira quantizada, em quantidades discretas. Cada quantum de vibração aparece como uma partícula distinta com massa e spin distintos. Portanto, como há infinitas formas das cordas vibrando, existem infinitas partículas elementares.
No modelo padrão de partículas as forças da natureza são explicadas em virtude de uma partícula fundamental, que seria responsável para que o fenômeno acontecesse, no eletromagnetismo é o fóton, na força fraca o bóson e na força forte os glúons. Assim a força gravitacional também possuiria sua partícula fundamental, e a teoria das cordas prediz a existência dela, o Gráviton. Grávitons seriam cordas fechadas, em estado vibracional de baixa energia, responsáveis pela transmissão da força gravitacional. O fato de ele ser uma corda fechada sem pontas faz com que eles não sejam limitados pelas branas (ou membranas, que estão imersas no universo em dez dimensões) se movendo livremente entre elas, pois apenas a gravidade poderia “viajar” por todo o espaço, e seria a única a trazer evidências comprovando essas dimensões extras e também poderia explicar porque a gravidade é uma força tão fraca. O gráviton ainda é uma hipótese, pois até hoje, não foi possível comprovar sua existência e talvez ainda leve muitos anos para que possa ser detectado.

Gravitação quântica de Loops

Como a teoria das cordas, a teoria da Gravitação Quântica de Loops surge na esperança de reconciliar a Mecânica Quântica e a teoria da Relatividade Geral. De forma geral essa teoria tem como objetivo estabelecer uma teoria quântica onde tudo em volta da gravidade é quantizado com exceção da própria gravidade. Nessa teoria os estados quânticos estão relacionados a nós e linhas chamadas redes de spins. Essas redes de spins correspondem a um volume fundamental e uma área fundamental, ambos dependendo da constante de Planck. Elas representam o estado quântico de espaço que dão a origem a configuração granular do espaço-tempo. E o espaço-tempo estaria relacionado com as chamadas espumas de spins. Pode-se considerar então que o espaço é uma fina rede de loops finitos para que o espaço-tempo seja desconstruído.

Gravitação quântica de loops aparece então quantificando o espaço: “ele é descrito como uma treliça tridimensional, na qual os vértices de cada cubo são os pontos que podem ser ocupados e as arestas valem um métron [um métron é igual a 1035 m]. Se o espaço é mesmo quantizado e a menor distância entre dois pontos é um métron, então a gravidade nunca será infinita, pois a distância nunca será zero!” (CHERMAN e MENDONÇA, 2010) o que resolveria o problema dos infinitos da quantização da gravidade.

Assim, essa teoria surge como uma alternativa para a teoria das cordas, porém ela só pode ser usada para descrever a força gravitacional, enquanto a teoria de cordas também descreve as outras forças.
A Teoria de Gravidade de Loops ainda se encontra em desenvolvimento e na ciência atual possui algumas aplicações práticas, como descrever a entropia e termodinâmica dos buracos negros e cálculos envolvendo o Big Bang.

Conclusão

Ao longo do texto foram apresentadas três teorias distintas que tentam explicar a origem da força gravitacional, e a pergunta natural a se fazer é “Qual teoria é a mais correta para explicar a Gravitação Quântica?” ou “Qual teoria é mais aceita na comunidade científica para explicar a Gravitação Quântica?” é natural pensar que existe uma resposta certa para essa pergunta, porém não existe. Deve-se se levar em consideração que o que foi apresentado no texto são teorias, uma forma que os cientistas descobriram para tentar explicar aquilo que não se conhece, é claro que essas teorias se estruturam em toda uma base Física já construídas outrora e que nada foi criada ao acaso.

As teorias apresentadas são apenas duas de muitas outras, que tentam explicar por que a força gravitacional age da forma que age. De certa forma, uma pode ser considerada o complemento da outra, ou seja, inicialmente surgiu a teoria das cordas, mas ela possuía alguns problemas que não puderam ser resolvidos. Então surge a teoria quântica de loops para corrigir os problemas da teoria anterior, porém ao ser estudada, ela também apresentou problemas que deveriam ser respondidos, surgindo outras teorias para explicar e assim sucessivamente. Não existe a mais correta, ou a mais aceita, existe aquela que os cientistas, cada qual na sua área de pesquisa, estudam. Eles fazem experiências, cálculos e acreditam nelas tentando no final descobrir a resposta correta ou mais correta.

A teoria da unificação surge do pensamento que a natureza deve ter uma teoria universal que a explique como um todo, sem erros e especulações e levando em consideração que três das forças fundamentais da natureza são explicadas através da Física Quântica, nada mais justo acreditar que a força gravitacional, a mais antiga força conhecida, também poderia ser explicada da mesma forma. Mas o que foi visto é que existem mais dúvidas do que certezas de como ela funcionaria segundo a quântica. Até hoje não se sabe ao certo o que é gravitação quântica e como descrevê-la. Muitas teorias surgem para tentar explicá-la e ainda vão surgir inúmeras outras, até que se resolva o problema da quantização da gravidade. Para a pergunta feita no título do texto “O que é gravitação quântica?” a resposta ainda está um pouco longe de ser encontrada, essa questão ainda está em aberto. Quem sabe daqui a alguns anos essa pergunta seja respondida ou ainda que alguma dessas teorias realmente esteja correta.



Refs:
CHERMAN e MENDONÇA, "Por que as coisas caem?: Uma história da gravidade", Ed. Zahar, 2010
ABDALLA, "Teoria quântica da gravitação: cordas e teoria M", Rev. Bras. Ensino Fís. vol.27 no.1, 2005
terça-feira, 13 de outubro de 2015
Posted by Daniel Vieira

A Bomba Atômica e os Quarks

É muito comum, até mesmo no ensino médio, escutarmos algo do tipo "A Força Nuclear Forte é a responsável pelo poder destrutivo da bomba nuclear". Ao mesmo tempo, alguns de vocês podem ter ouvido falar que a mesma Força Nuclear Forte (vou chamar de FNF a partir de agora) é responsável por manter os prótons unidos dentro dos núcleos atômicos, ou ainda que a FNF é a força responsável por manter os quarks, partículas que compõem os prótons e nêutrons, unidos.

Essas são frases que aparecem eventualmente, mas o que realmente elas tem a ver? O que a união dos quarks, que só foram descobertos na década de 60, tem a ver com a bomba atômica, utilizada no fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945?

Este texto pretende esclarecer essas coisas. Pretendo ser acessível a todos que entendem a noção de energia mecânica e energia potencial, isto é, que não dormiram em todas as aulas de física do ensino médio. (Se você acha que "energia" é só uma palavra bacana para "good vibes", pode sofrer um bocado para entender as coisas aqui.)

(Uma dica para seguir esse texto, principalmente quem está tendo um primeiro contato com isso, é tomar algumas anotações, como dos nomes das partículas que eu for apresentando, e suas propriedades.)

De onde vem a energia da bomba atômica? Grosso modo, da energia potencial armazenada nos núcleos pesados e instáveis de elementos como o Urânio e o Plutônio, que são quebrados (pela fissão) para liberar essa energia acumulada. Como vocês podem lembrar, a diferentes sistemas estão associados uma energia potencial. Podemos falar da energia potencial elástica de uma mola, da potencial gravitacional de um objeto atraído pela Terra ou da energia potencial elétrica de dois átomos numa molécula do gás Hidrogênio. Cada uma dessas formas de energia estão associadas a uma força, respectivamente a força elástica de uma mola, a força gravitacional e a força eletrostática.

(Embora não seja tão relevante para a discussão que se seguirá, o leitor interessado pode perceber que cada uma dessas forças surge para reduzir a energia potencial associada. Por exemplo, a força gravitacional puxa os objetos para baixo, onde a energia potencial gravitacional é menor.)

A energia potencial armazenada nos núcleos pesados que é liberada na fissão nuclear não vem da força nuclear, mas da (esperem um minutinho) força eletrostática! A FNF é responsável não pela quebra do núcleo, mas para mantê-lo unido em primeiro lugar!

Funciona assim. A FNF é sempre atrativa, e é a mesma para a atração entre prótons e prótons (pp), prótons e nêutrons (pn) ou nêutrons e nêutrons (nn). Isto é, se desconsiderarmos a força elétrica, a atração sentida por pp, pn ou nn é a mesma. A FNF é tão igual que é comum quando estamos falando da FNF nos referirmos aos prótons e nêutrons como se fossem a mesma coisa, um núcleon. Ela também é muito forte, a ponto de conseguir segurar dois prótons, que se repelem fortemente pois são partículas de carga positiva, a uma distância de aproximadamente um fentômetro (ou 0,000000000000001 metro!).

Se vocês olharem a tabela periódica, vão ver que quanto maior o número de prótons, maior a proporção de nêutrons para prótons ele deve ter. Lembrem-se, os prótons se repelem pela força elétrica, mas não fazem nada com nêutrons. Só que os nêutrons atraem nêutrons e prótons pela força forte. Então quanto mais nêutrons você tem, mais coeso fica o seu núcleo atômico.

Pegue por exemplo o núcleo de oxigênio, que possui 8 prótons. Se só houvessem prótons, mesmo com a atração da FNF entre eles isso não seria suficiente para conter a forte repulsão eletrostática. Você adiciona nêutrons à gosto, até que seu oxigênio se torne estável, isto é, até que os nêutrons que você adiciona aumentem a FNF até que consigam conter a repulsão eletrostática dos prótons. E pronto, você tem seu núcleo estável. Para o oxigênio esse número mínimo é de 8 nêutrons. Menos que isso o núcleo dá um jeito de se transformar em algo com uma energia elétrica de repulsão menor. Por exemplo, se você coloca somente 4 núcleos para tentar segurar os 8 prótons do oxigênio, ele não aguenta e joga alguns desses prótons fora, se transformando num núcleo de carbono. Além do número 8, ainda é possível adicionar mais alguns nêutrons à gosto, esses são os vários isótopos do oxigênio.

Mas tem um problema: a FNF é uma força de curto alcance. Dois prótons ou nêutrons a uma distância maior do que o tamanho dos núcleos simplesmente não sentem nada de Força Nuclear. Por esse motivo não presenciamos efeitos macroscópicos da FNF, assim como acontece com a gravitacional ou eletromagnética. E é justamente por isso que a fissão ocorre. Quanto maior o núcleo atômico, mais difícil fica para a FNF agir segurando tudo. Átomos muito grandes, como o Urânio ou o Plutônio, que possuem mais de 200 núcleons amontoados, com algo em torno de 90 prótons, são muito difíceis de manter juntos. Nesses átomos grandões, nem com um bocado de nêutrons é possível segurar os prótons para sempre. Pois como o núcleo é muito grande, os nêutrons só sentem a atração de seus vizinhos mais próximos. Como não dá pra segurar esses núcleos grandões, uma hora eles se quebram em núcleos menores.



No processo de fissão normalmente são emitidos alguns nêutrons livres, mostrados na figura acima pelas bolinhas de cor cinza. Uma bomba ou uma usina nuclear utiliza uma reação em cadeia, com esses nêutrons acertando outros núcleos e acelerando o processo de fissão. A energia liberada é a energia potencial elétrica de repulsão, que estava sendo contida pela FNF.

 

Intermezzo: As partículas mediadoras

Com o avanço da mecânica quântica, em particular a teoria quântica de campos (TQC), se passou a descrever a interação entre partículas pela troca de outras partículas, chamadas mediadoras. A ideia é bem simples: já se descrevia as interações através de campos. Por exemplo, dois elétrons interagem porque um elétron interage com o campo eletromagnético produzido pelo outro. Dois planetas se atraem porque um interage com o campo gravitacional do outro. Mas no começo do século passado descobriu-se que o campo eletromagnético tinha uma unidade mínima, o fóton. Então é só seguir a sequência natural:

"Carga elétrica produz uma força elétrica em outra carga"
Carga → Carga

foi aperfeiçoado para
"Carga produz campo elétrico ao seu redor, e afeta cargas que entram nesse campo"
Carga → Campo Elétrico → Carga

que foi aperfeiçoado para
"Carga produz um bocado de fótons ao seu redor, que afeta outras cargas quando elas colidem com esses fótons"
Carga → Fótons → Carga


A próxima tarefa era generalizar (isso é, tornar geral) essa ideia para todas as forças. Se especulou qual seria a partícula correspondente à Força Nuclear Forte. Em 1935 o físico japonês Yukawa fez previsões sobre qual seria a massa e as propriedades dessa partícula, e em 1947 ela foi detectada, e foi chamada de píon (entre os descobridores, o físico brasileiro César Lattes).

Ou seja, a visão de partículas mediadoras das forças funcionava muito bem, tanto para a força eletromagnética como para a Força Nuclear Forte.

 

E os quarks?

Na década de 60 outras partículas, parecidas com os prótons e nêutrons, mas mais pesadas, estavam aparecendo nos experimentos. Deram o nome de bárions para todas essas partículas. Além disso, outras partículas além do píon, chamadas coletivamente de mésons, mais leves que os prótons e nêutrons mas mais pesadas que os elétrons também estavam aparecendo. Resumindo um grande episódio que daria um livro, a conclusão que o pessoal da época chegou foi que os bárions e mésons eram compostos de partículas ainda menores, e deram o nome de quarks.

Para os quarks ficarem presos dentro dos bárions e mésons também há uma força atrativa entre os vários quarks. Além disso, assim como na força eletromagnética as cargas podem ser positivas ou negativas, e duas cargas iguais de sinais opostos dão algo neutro, os quarks também possuem um tipo diferente de "carga" associadas à essa força atrativa, que foi chamada de cor (foi só o nome que deram. Podia chamar cheiro, vibe, blorgh, ou qualquer outra coisa, mas ficou cor). Os quarks podem vir em três cores, e três quarks de cores diferentes são neutros (de forma parecida com a combinação das três cores-luz primárias para dar branco - por isso o nome cor pegou). Ainda, como todas as partículas possuem suas antipartículas correspondentes, os antiquarks também possuem anti-cores, que combinado à cor correspondente também dá zero.

Dentro de um próton ou um nêutron existem quarks das três cores diferentes, o que faz o próton neutro. Os mésons possuem um quark e um antiquark, também dando cor neutra. Uma vez neutro, não há mais essa força de atração entre os quarks de diferentes cores. Uma outra propriedade dessa força entre os quarks é que nunca é possível ter um quark solitário ou uma combinação de quarks com cor que não seja neutra viajando por aí. Sempre será algo neutro.

É aqui que entra a confusão. Essa força entre os quarks de diferentes cores também recebeu o nome de Força Forte. Mas essa seria a "fundamental" enquanto a outra, entre prótons e nêutrons, seria "residual", um efeito indireto da primeira. Os prótons e nêutrons não possuem cor, são neutros, e não sentem a mesma força que os quarks sentem entre si.

Essa parte pode ser bem confusa, então vou com calma. Dentro dos prótons e nêutrons existem quarks. Esses quarks tem um tipo de "carga" que só eles tem (elétrons por exemplo não possuem cor), e essa carga diferente provoca um tipo de força atrativa entre as diferentes forças, extremamente forte. A partícula mediadora dessa força entre quarks recebeu o nome de glúon, do inglês glue, pois atua como uma cola dos quarks. Os glúons possuem duas cores ao mesmo tempo. Um quark "azul" e um quark "verde" trocam um glúon de cores "azul+verde".

Agora, como essa força entre quarks está relacionada à força entre prótons e nêutrons, mediada pelos píons? Eventualmente, em processos aleatórios, um par quark-antiquark pode surgir devido à grande confusão dentro de um próton ou nêutron. Esse par é um píon, que por ser neutro pode viajar até o outro próton ou nêutron, e lá se recombina com os quarks, produzindo nessa troca uma força de atração.

Ou seja, eventualmente um píon surge no meio da bagunça de quarks e glúons dentro dos prótons e nêutrons. Esse píon, ao se propagar de um próton ou nêutron a outro, provoca um efeito de atração, que é a Força Forte residual. Note que ela só ocorre porque os quarks interagem fortemente devido à Força Forte fundamental, cuja carga é a cor.

Para resumir: A energia nuclear vem da forte repulsão gerada pelos núcleos atômicos grandes. Essa repulsão é segurada pela FNF, mas em algum momento falha e permite a liberação da energia elétrica de repulsão em outras formas de energia, como radiação e energia térmica. Essa FNF que segura o núcleo é produzida pela troca de píons entre os prótons e nêutrons, mas esses píons surgem como um efeito secundário de uma outra força no interior dos prótons e nêutrons, uma força de atração entre quarks provocadas por um tipo de carga chamada cor.

É assim que a grande e temida explosão nuclear é provocada, em última instância, pela interação entre pequenas partículas menores que 1 fentômetro.
quarta-feira, 7 de outubro de 2015
Posted by Daniel Vieira

Plutão, combustível para Novos Horizontes


Foto de Plutão tirada pela New Horizons

 Muito se falou sobre a chegada da sonda "New Horizon" à Plutão, mas como todo acontecimento cientifico de grande impacto houve muita desinformação, especulação e uma verdadeira "viagem" com o perdão do trocadilho. Antes de entender a missão é importante entender quem é Plutão e se é Plutão mesmo que foi visitado. Tudo começa com Percival Lowell que pesquisou a suposta causa da perturbação na órbita de Netuno, ele calculou possíveis lugares onde se poderia encontrar o planeta. Em 1930 Clyde Tombaugh um astrônomo americano, encontrou Plutão com a previsão de Lowell. Mas o que é encontrar? Na época a tecnologia que se tinha disponível era telescópios e chapas que reagiam a fótons como filme de máquina fotográfica, então obter imagens consistia em fixar por alguns minutos uma chapa no telescópio. Com mais tempo de exposição se consegue gravar corpos de magnitude difíceis de observar. Tombaugh tirou uma sequência de chapas em intervalos de dias apontando pro mesmo lugar, logo nas chapas as estrelas estariam sempre no mesmo lugar, mas se houvesse um planeta ele estaria em um lugar em um dia e em outro lugar em outro dia. Ou seja, era realmente um trabalho de olhar chapas enormes cheias de pontinhos e encontrar o pontinho que se mexeu. 

A tecnologia melhorou e em 1978 (48 anos depois), James Christy and Robert Harrington descobriram a "verruguinha" que hora aparecia hora sumia na imagem de Plutão, era Caronte o satélite de plutão. Mas será mesmo uma "lua" de plutão, afinal Caronte tem pouco mais de um décimo da massa de plutão, o que faz o centro de massa dos dois estar fora de plutão. A principio o sistema é binário, ou seja, os dois giram em torno do centro do sistema como um altere (Vide essas duas primeiras animações aqui). Em 2005 o Telescópio Huble estragou a brincadeira tirando imagens de qualidades muito superiores do sistema de Plutão e dois pontos menores apareceram, eram Nix e Hidra, dois satélites do sistema. Atenta-se para o fato de que a New Horizon foi lançado no ano seguinte, logo durante toda a preparação da missão só se conhecia Plutão e Caronte e no ano de véspera do lançamento descobriram estes dois satélites. Mas em 2011 e 2012 quando a sonda já tinha passado por Júpiter e estava no meio da viagem, Estige e Cérberos foram descobertos fechando o sistema. Não é à toa que assim que a "New Horizon" saiu do estado de hibernação, começou a procurar novos corpos, mas nada foi encontrado antes da aproximação. O sistema fica assim: Um sistema binário de Plutão e Caronte mais centrado em Plutão, e orbitando o sistema: Estige, Nix, Cérberos e Hidra respectivamente.

Imagem capturada pelo telescópio Huble em 2005, mostrando Nix e Hidra

Sabendo agora o que a New Horizon foi visitar, vejamos o problema de se enviar uma sonda para o cinturão de Kuiper (região onde está o sistema Plutão-Caronte). Sabendo que além de longe trata se de uma órbita ao redor do Sol de 248 anos. Mas antes que venha alguém falar besteira vamos entender algo: Nada que está no nosso sistema está fora de uma órbita! Tudo funciona em uma órbita, seja ela elíptica, parabólica ou Hiperbólica. Sabendo disso, quando mandamos uma sonda ela "NÃO" sai da Terra em linha reta em direção do sistema e depois desliga o motor porque não tem atrito e etc... Assim que sai da Terra a sonda cai em uma órbita aproveitando o momento e energia de órbita e rotação da Terra. Os propulsores da sonda são responsáveis por dar mais ou menos energia ao movimento fazendo com que ela mude de órbita. Normalmente as sondas fazem muitos "flyby’s" (que é uma manobra orbital que aproveita a aproximação de um corpo para usar gravidade desse corpo para ganhar ou perder energia na órbita) em corpos próximos como a lua, ou grandes como Júpiter para ganhar energia. No caso, a New Horizon fez apenas um encontro com Júpiter em 28 de fevereiro de 2007, o que faz da missão uma das mais diretas em caminho. Como a missão era pra muito longe, fazer muitos encontros iria prolongar muito a missão e dar muita energia, o que faria com que a sonda passasse muito rápido pelo sistema de Plutão. Assim no fatídico dia de 19 de janeiro de 2006 a sonda New Horizon foi lançada pelo foguete Atlas de 575 toneladas e 59,7 metros ( Na órbita descrita aqui). E no dia 14 de julho de 2015 ela fez sua aproximação à 14 km/s (50400 km/h) em uma distância de 12500 km de Plutão e depois de 29000 km de Caronte.


Agora, estando lá o que fazer? Primeiro nada se faz sem energia e com placas solares a 4,77 Bilhões de km da Terra ("quiçá do sol" ) você não liga nem sua calculadora de R$ 1,99, então o que fazer? A solução é usar um gerador termoelétrico de radioisótopos. Sem trocadilhos, o combustível elétrico pra se chegar à Plutão é o plutônio. Agora para fazer ciência a sonda tem um Espectrômetro de ultravioleta, luz visível e infravermelho, radiômetro e espectrômetro de partículas energéticas, tudo isso em 4 aparelhos. Os aparelhos estão fixos na sonda o que faz com que seus 16 propulsores façam o que chamamos de controle de atitude, ou simplesmente fica posicionando a sonda para apontar estes equipamentos (mais ou menos como quando se esta com torcicolo e tem que virar o corpo inteiro para olhar em alguma direção) . Sendo assim, durante toda a passagem a sonda só faz um checkup pra dar noticias, parando as medidas pra virar a antena pra Terra. Afinal você demora quase 10 anos pra chegar à Plutão e vai fazer só uma passagem, é perda de tempo ficar se comunicando com a Terra. Logo toda a medição já estava programada, a sonda não é controlada por joystick (a não ser que você consiga jogar com mais de 15.900.000 de ping), as informações levam 4h25m pra chegar ou voltar da sonda a Terra dada à distância. Depois que a sonda passar por Plutão ela vai começar a mandar todos os dados. E com esses dados vai acontecer algo comum na astronomia, que é demorar muito tempo para processar todos os dados. Logo começaremos a publicar em cima dos dados colhidos agora, e muito tempo se passara e continuaremos processando e publicando dados em cima da passagem da New Horizon.


O que esse fantástico acontecimento trará para a humanidade, só o tempo dirá!

Mais informações acesse o site da New Horizon, de onde vieram os dados aqui expostos.

Agradecimentos aos corretores: Thiago Guimarães e Thamires Santana.
quarta-feira, 22 de julho de 2015
Posted by Unknown

Um passo de cada vez

Sobre estudantes de ciências que curtem a vibe científica, mas não querem se dedicar o mínimo para realmente entender algo.

Na minha recente experiência como professor universitário, tenho me deparado com diversos alunos que adoram fazer piadas "nerds", compartilham constantemente nas redes sociais referências aos seus estudos, passam a imagem (externa) de que são exímios estudantes daquele campo. Mas quando tentamos descobrir o que esses alunos realmente sabem, deixam muito a desejar.

A física é popular. Dá status. Quem sabe física ganha fama de sabichão. Pessoas inteligentes são Einsteins, Hawkings. Todo mundo quer ser fã de Cosmos, de Big Bang Theory. Saber sobre quântica, múltiplos universos, relatividade. Por um lado, isso é muito bom. Atrai atenção. Enquanto a vibe existir, jovens serão atraídos aos montes para os estudos de ciências. Desses, um bom número pode se tornar bons físicos, que farão contribuições impotantes para o avanço científico. Como eu acredito que conhecimento científico enriquece o indivíduo e a sociedade, não tenho como achar a popularidade da física algo ruim.

Num nível do deslumbramento científico, Tysons, Sagans, Hawkings e Gleisers fazem um trabalho muito bom. Fazem com que as pessoas leigas em ciência admirem o campo, mesmo que não entendam muita coisa. A divulgação tem esse papel também.

O que noto, no entanto, é que alunos parecem não querer passar desse nível amador. Querem falar de galáxias, compartilhar vídeos sobre buracos negros, falar os nomes das disciplinas legais que cursarão no próximo semestre, querem se sentir parte do show. Mas não dedicam o mínimo do tempo suficiente para o básico. Cálculo e as físicas básicas, por exemplo. Não dá pra saber sobre relatividade geral sem saber o que são vetores direito. Não dá pra falar de quântica se não souber o que é a equação de onda. E o que é uma equação diferencial. Muitos querem saber falar algo sobre o Bóson de Higgs e o LHC sem saber descrever o movimento de um bloco preso a uma mola, ou um lançamento de um foguete.

"Ah, mas essa física é chata", alguns podem dizer. Não, amigo. Se você acha isso, então você acha física, como um todo, chata. O movimento de um projétil por exemplo, por mais bobo que possa parecer num primeiro momento, carrega tanta reflexão sobre a natureza que se torna absolutamente fantástico. O movimento pode ser decomposto em direções independentes (horizontal e vertical), e cada componente é descrita por equações extremamente simples. Pode ser descrito utilizando o conceito de força ou de energia, e as duas descrições, aparentemente bem diferentes, são equivalentes para prever toda a trajetória futura do projétil. Podemos ir mais além, e procurar as simetrias do fenômeno e interpretar essas simetrias como leis de conservação de algumas grandezas físicas.

Sem compreender esses conceitos para eventos cotidianos (pêndulos, projéteis, colisão de bolas de bilhar, etc) não há como entender coisas mais avançadas. Movimento de galáxias, buracos-negros e todas essas coisas hype não pertencem a uma ciência diferente. É física, é a mesma física. E não há como compreendê-los sem passar pelo básico. Assim como não há como querer aprender gramática formal sem conhecer a escrita, ou saber cálculo diferencial sem saber somar.

Então, jovens estudantes de física e ciências em geral, se vocês querem a hype e só a hype, nem percam tempo. Há diversos sites e livros divertidos, que te darão respostas prontas e mastigadas sobre todas as coisas fantásticas que são estudadas por aí. Você não vai entender muito bem, mas vai se divertir, eu garanto. Mas se você quer saber não só sobre buracos-de-minhoca e big-bang, não só pagar de nerd, mas quer saber sobre a física que descreve a natureza como um todo, do menor ao maior, saber explicar tanto sobre como o Sol produz luz, como um arco-íris se forma, como uma bola quica, como a água esquenta, e como tudo isso está relacionado de maneira simples e bela, então você vai precisar se dedicar. Se dedicar muito mais do que o tempo de um episódio de Cosmos. Vai precisar ler muito mais do que uma Scientific American, e vai precisar principalmente fazer e refazer aqueles exercícios chatos que seu professor passou, até que se tornem belos e todos os exercícios e exemplos de todos os livros estudados de assuntos diferentes se tornem parte de um único grande panorama, o despertar de uma compreensão ampla da Natureza.
domingo, 7 de junho de 2015
Posted by Daniel Vieira

Física Quântica e o Poder da Mente

Como a física quântica está relacionada com o poder da mente e a cura pelo pensamento? Física quântica é a parte da física que descreve o comportamento da luz, de átomos e de partículas como o elétron. Assim como a física clássica te permite descrever o movimento de uma bola quando é chutada por um jogador de futebol, a física quântica te permite descrever o que acontece com um elétron quando ele passa próximo de um ímã, por exemplo.

Por que não aprendemos quântica na escola? Simplesmente por que para estudar física quântica precisamos de algumas coisas como equações diferenciais parciais e álgebra linear, coisas que só costumam ser estudadas no ensino superior.  Por que precisamos dessas coisas? Quando queremos calcular o movimento de uma bola atirada para cima no segundo grau, utilizamos uma equação do tipo

$ \Delta s (t) = v_0 t - \frac{1}{2}g t^2 $

 para descrever a variação do movimento $ \Delta s $ em função do tempo, com a bola sujeita a uma aceleração constante g. Para testar, arremessamos uma bola para cima e verificamos quanto ela se deslocou em cada instante de tempo. E vemos que a equação acima funciona muito bem. Para fazer a mesma coisa com um elétron que se move, uma equação parecida não funciona mais. Precisamos de equações diferentes, coisas como

$ i \hbar \frac{\partial}{\partial t} \psi(x,t) = \left[ -\frac{\hbar}{2m} \frac{\partial^2}{\partial x^2} + U(x,t) \right] \psi(x,t) $

Por que uma equação simples como a primeira não funciona mais? Seria lindo se a física atômica pudesse ser explicada utilizando nossa matemática de segundo grau. E por algum tempo físicos tentaram explicar o comportamento de átomos dessa maneira "clássica". Mas simplesmente não funcionou. Quando você tentava explicar um elétron como uma "bolinha" sujeito a forças, suas equações deixavam de estar de acordo com o que era observado nos experimentos. No entanto, se considerassem os elétrons como se fossem ondas de algum tipo, as equações voltavam a explicar os fenômenos. Além disso, efeitos tipicamente ondulatórios também aparecem nos fenômenos atômicos, como interferência, ressonância e batimentos.

Ondas de que? Quando estudamos o som, sabemos que este é provocado por uma onda de pressão no ar, regiões de alta e baixa pressão que se alternam rapidamente. Quando estudamos ondas eletromagnéticas (tipo ondas de rádio), aprendemos que essas são variações de campos elétricos e magnéticos. Ondas costumam ser "de algo". E essas "ondas" do elétron, o que são? A resposta curta é: ninguém sabe direito. Alguns dizem simplesmente que não importa, o que importa é que é uma ferramenta matemática que funciona. Outros, baseados no fato de que essas ondas que aparecem nas equações estão relacionadas com a probabilidade de encontrar o elétron em alguma posição, dizem que essas ondas são "ondas de probabilidade". Outros dizem que na verdade é tudo partícula mas com uma física desconhecida que não é nem clássica nem ondulatória, mas que acaba parecendo ondulatória.

Essas várias maneiras de entender as equações são chamadas de interpretações da mecânica quântica. Existem várias outras. Cada uma tem méritos e problemas sérios, e cada uma possui defensores e combatedores dentro do mundo científico. As sobreviventes hoje explicam igualmente bem os fenômenos, mas com concepções filosóficas bastante distintas.

Vou focar em uma delas, a interpretação ondulatória realista, que eu já mencionei acima. Ela diz que tudo são "ondas de probabilidade", que tem uma existência real, ainda que anti-intuitiva. Ou seja, o tratamento ondulatório não é um truque matemático que simplesmente funciona, mas descreve o que realmente é o elétron.

Ok, é uma onda, qual a polêmica nisso? Ao contrário das ondas usuais (de som ou na superfície da água, por exemplo), as ondas aqui tem uma característica bem diferente. Se eu estouro um balão o som dessa explosão se propaga em todas as direções. Se eu escuto o som do estouro em um lado, outra pessoa pode tranquilamente escutar o som do outro lado.

(a) Uri (esquerda) e James (direita) estão prontos para ouvir o som de um balão estourando; (b) O balão é estourado e a onda sonora se propaga nas duas direções; (c) James escuta o som, mas a onda ainda não chegou em Uri; (d) Uri escuta o som também.


No caso das ondas na física quântica, a coisa é diferente. Se um elétron é emitido com 50% de chance de ser encontrado na esquerda e 50% de chance de encontrar na direita, representamos isso com uma onda dividida entre esquerda e direita. Esse "encontrar" é feito com um detector. No caso do som, esse detector é o nosso ouvido. A diferença é que se detectamos o elétron de um lado, nunca a pessoa do outro lado vai detectar também. O elétron continua sendo um só, por mais que sua onda correspondente estivesse "dividida" entre a esquerda e a direita.

 Para várias interpretações, isso não é nenhum problema. Para a interpretação ondulatória, é. Significa que a onda do elétron, depois da primeira detecção, deixou de existir em todos os outros lugares. Isso recebe um nome, chamado colapso da função de onda. Se a onda do elétron é real, a nossa medição faz com que, instantaneamente, a onda do elétron no restante do universo se torne zero.

(a) Um elétron é emitido, com igual probabilidade de ser encontrado na esquerda ou na direita. Na interpretação ondulatória, a onda do elétron se propaga nas duas direções. Dinah e Quevedo possuem detectores de elétrons, prontos para serem usados. (b) O detector de Quevedo apita. Na interpretação ondulatória, a detecção provoca um colapso da função de onda do elétron na direita, fazendo com que a onda do lado esquerdo deixe de existir. Dinah não será mais capaz de detectar nenhum elétron, pois não existe mais onda em sua direção.

Quem leva essa interpretação a sério se preocupa com isso. Entre os vários pontos de preocupação, está a pergunta "o que exatamente causa o colapso?". Isto é, esse colapso da onda ocorre quando o elétron interage com o detector, quando o detector apita ou quando eu escuto o apito? Alguns físicos mais radicais defendiam que o colapso da função de onda era provocado pela nossa consciência do experimento. Em outras palavras, a consciência afetaria a realidade, ou pelo menos um aspecto dela. 

Esses pontos deram origem à proliferação de ideias bastante extremas, de como a realidade é afetada pela consciência. Em conjunto com religiões e concepções de mundo que já defendiam a influência do pensamento na realidade, a física quântica entrou como uma suposta "comprovação científica" para essas ideias.

 Quero chamar atenção para alguns pontos. Primeiro, não é a física quântica que dá suporte a essas ideias, mas sim uma das várias interpretações da física quântica, e uma versão bem extrema dela. Além disso, mesmo se essa interpretação radical for verdade, ela não diz que "tudo é possível, basta acreditar", ela só diria que a consciência de um fenômeno afeta o fenômeno, e não a vontade. Eu posso até "querer" que um elétron seja detectado simultaneamente por mim e pelo cara do outro lado ao mesmo tempo, mas isso nunca vai acontecer. A interpretação só diz que, se eu "souber" que o elétron está do lado de cá, sua onda de probabilidade deixa de existir do lado de lá.

Ou seja, se tem um físico te dizendo que a física quântica prova que você pode afetar a realidade, basta acreditar, ou ele não sabe nada de física quântica, ou ele está te fazendo de otário.

Infográficos: Isabel Alencar

Um outro texto interessante sobre o assunto, numa outra perspectiva. no aqui
Mais sobre quântica e o Gato de Schrödinger, aqui
Sobre outros pontos da física quântica usada por picaretas para ganhar dinheiro fácil, aqui.
segunda-feira, 2 de março de 2015
Posted by Daniel Vieira

Teoria de Tudo [Resenha]

Não contém spoilers se você já sabe pelo menos o grosso sobre a vida dele. Se você não sabe nem quem é Hawking, não sei nem se você vai querer ver o filme.

Hoje assisti ao filme Teoria de Tudo, que conta a história do físico Stephen Hawking. Achei conveniente aproveitar o momento e dizer o que achei. No geral, positivo. No entanto há um pequeno ponto que achei que poderia ter sido diferente.

O filme foca no relacionamento entre Hawking e sua primeira esposa, Jane. Como drama, na minha opinião foca mais na força de Jane ao enfrentar com ele a doença degenerativa. A parte da física é deixada em segundo plano. Cheguei a ver alguns comentários na internet de pessoas reclamando disso. A esses eu digo: se quiser aprender relatividade, compre um livro. Não ache que numa biografia você vai sair sabendo sobre buracos negros.


De volta ao filme. É uma produção bonita. A história de vida do cara, com ou sem o filme, é um exemplo de garra e superação. Um sujeito que com vinte e poucos anos descobriu que teria pouquíssimo tempo de vida mas já passou dos setenta, sem deixar de trabalhar e dar grandes contribuições para a física e para a divulgação científica - muitos físicos de hoje devem o interesse no assunto a seus livros. Então é natural que contar essa história, bela por si só, com o poder da telona dá um efeito excelente.

Quanto às relações entre pessoas, sem spoilers, apenas digo que o filme retrata um desenrolar sem vilões ou mocinhos, simplesmente pessoas, com forças e fraquezas. Isso também é legal de se ver. Talvez alguém que viu o filme diga: "ah Daniel, mas aposto que ele era meio babaca, e o filme amenizou. Filmes sempre fazem isso!" ok, pode ser. Mas, é cinema, né? Tolera-se um pouco de "liberdade poética".

Finalmente vou ao ponto que acho poderia ter sido melhor trabalhado: o filme reforça o estereótipo dos físicos como sujeitos bizarros e da física como um assunto de doidos. Ok, o Hawking possivelmente era já meio esquisitão. Mas não acredito que ele pensava em física o tempo todo, como o filme retrata. Liberdade poética também, ok. E de fato, fica interessante. Mas talvez por eu me preocupar tanto com a imagem que as pessoas tem da ciência, eu fiquei levemente com uma pulga atrás da orelha.

Mas o pior para mim não foi nem o Hawking-Nerdão. Até que foi divertido. Meu problema maior foi como o filme relata a maneira com que teorias físicas são desenvolvidas. Um insight, uma palestra falada (sem nenhuma equação) para um grupo de professores e pronto, você é reconhecido como um super gênio. É verdade que há referências no filme aos cálculos matemáticos como um elemento da física, mas ainda assim me passou a ideia de ser algo secundário. A física parece acontecer primeiro em mesas de boteco, para depois, só por conveniência, ganhar uma roupinha matemática.

Não gosto dessa visão porque isso, na minha opinião de quem já viu muita gente com ideias bem tortas sobre ciência, fortalece a ideia que qualquer um pode formular uma teoria revolucionária sem nenhum esforço apenas olhando para uma xícara de café ou uma lareira. É bom para a dramaticidade, não é tão bom para entender como a ciência funciona. Chega a fazer o contrário. As pessoas que vão pela biografia acabam saindo de lá achando que é assim que a física acontece.

Mas ei, como eu disse, esse não era o objetivo do filme, discutir ciência. Então dou um desconto. Mas acho, só acho, que eles poderiam ter aproveitado a oportunidade para acertar dois cajados com um coelho só.
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015
Posted by Daniel Vieira

Preparem seus motores! O LHC está prestes a rodar novamente!

Escrevendo aqui um novo membro do blog. Muito prazer, Daniel. Escrevo também no LCEO

Falta pouco tempo para reativarmos a máquina que pode desvendar alguns mistérios da natureza. Depois de uma longa parada para upgrade, finalmente a espera está próxima do fim.

O LHC é aquela máquina bilionária projetada por colaboração de diferentes países para estudar as menores partes da matéria, as partículas elementares e suas características. Na verdade é mais do que uma máquina. É um complexo. Diversos níveis de aceleradores colocados em sequência para acelerar feixes de núcleos atômicos a velocidades absurdas, próximas à da luz (o limite físico, aparentemente impossível de ser alcançado). Esses feixes são mantidos alinhados por poderosos superímãs num túnel circular de quase 30 quilômetros de circunferência. Em alguns pontos desse túnel, feixes circulando por direções opostas são postos para colidir, e máquinas gigantescas com sensores carregando tecnologia de ponta são ativados para coletar o máximo de informação possível a respeito dos produtos gerados nessas colisões de núcleos atômicos.

ATLAS, um dos detectores do LHC.


No final de 2008 o LHC começou a funcionar, em fase de testes. Eu me lembro como se fosse ontem. Na época eu estava terminando meu mestrado, e física de partículas era o assunto do momento. A expectativa era grande. A sensação de todos com a cobertura dada pela mídia comum era de ligeira frustração, pois os jornais dificilmente retratavam a grandiosidade do projeto e as possíveis implicações para nossa compreensão da natureza. Se resumiam a "partícula de Deus", "laboratório do Big-Bang" ou na melhor das hipóteses a "busca do Higgs".

A primeira colisão aconteceu em Novembro de 2009. Uma semana depois, o LHC bate o recorde de energia em cada feixe. Isso depois que um vazamento de hélio líquido atrasou um pouco os trabalhos. Normal. Para um projeto tão grande e tão cheio de detalhes, o timing estava ainda muito bom. Aos poucos, as novidades foram aparecendo. A recriação das partículas pesadas já conhecidas dos outros aceleradores, a produção de novas partículas compostas, novos recordes de energia sendo batidos...

De tempos em tempos notícias novas surgiam nos corredores do instituto onde eu fazia meu doutorado. As vezes fatos, as vezes boatos. Uma possível partícula elementar nova, uma nova força da natureza, uma partícula composta inesperada. A empolgação era grande. Cursos, seminários e workshops apareciam o tempo todo, para se falar sobre o LHC. Muitas vezes já se falava inclusive sobre como seriam os próximos aceleradores, depois do LHC. O clima para a física de partículas era bom. Muito bom.

E finalmente, um dos objetivos principais do acelerador, o bóson de Higgs, é descoberto. Antes da divulgação, um anúncio de uma coletiva. Meus colegas que puderam estar lá tiveram que chegar cedo no auditório para conseguir entrar (se sentando nas escadarias). Os mais precavidos acamparam na frente do auditório durante a madrugada, para garantir um local para sentar. O anúncio é feito. Apresentam a descoberta, e os detalhes dela. Ao fim, aplausos. E mais aplausos. O próprio Peter Higgs, presente, não conseguiu segurar algumas lágrimas. Nós, num instituto a 700 quilômetros ao norte, assistíamos tudo por uma webconference, que, devido à enorme quantidade de acessos, estava apresentando muitos problemas de conexão.

O LHC se manteve em operação até o fim de 2012, coletando mais dados e mais detalhes sobre o Higgs e outras partículas. Entrou então numa paralisação que já era programada, para atualização dos equipamentos, para quase dobrar a energia dos feixes. Nesse meio tempo as colaborações internacionais continuaram trabalhando, analisando a montanha gigantesca de dados coletados durante os quatro anos de operação.

Parte da comunidade científica acreditava que já deveríamos ter encontrado outras partículas. Existem razões teóricas para esperar que algo a mais deveria ter aparecido, mesmo que não saibamos exatamente o que. O quebra-cabeças parece faltar algumas peças, e muitos tinham esperança de que elas fossem encontradas rapidamente. Mas isso não aconteceu.

Essa nova fase do LHC, Run II, produzirá colisões com mais energia, com potencial para, quem sabe, produzir mais partículas novas. A expectativa é mais uma vez grande. Entre as várias buscas no LHC podemos citar como pontos principais a busca por alguma partícula que possa corresponder à elusiva matéria escura e às partículas supersimétricas, uma relação hipotética entre partículas de matéria e partículas de força ainda não verificada, mas que poderia responder diversos problemas teóricos da física de partículas atual.

Um cenário deprimente seria nenhuma partícula nova ser descoberta no LHC. Qualquer partícula ou "sombra" de partícula nova descoberta dá um rumo a ser percorrido nas novas pesquisas. Novas descobertas apontam quais trilhas são seguras. Quando não se descobre nada novo, a busca continua, mas por trilhas escuras, que muitas vezes podem acabar num paredão ou num precipício.

A nova fase de operação está prevista para o início da primavera no hemisfério norte, e ao que tudo indica não teremos atrasos. Agora é só aguardar, e torcer para boas novidades surgirem.
domingo, 15 de fevereiro de 2015
Posted by Daniel Vieira

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